quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Nós, os que não sabemos tomar a praça

Como Yoani Sánchez, vergonha e inveja de quem sabe.  
Haverá fundo do poço mais fundo do que este em que está a política brasileira?
Um brasileiro decente, atleta excepcional, anuncia que está pendurando as chuteiras – literalmente –, vencido pelo peso do corpo, da idade. Um Twitter saído do Supremo Tribunal Federal faz a brincadeira: e quando é que Sarney vai pendurar as chuteiras? Sem qualquer traço de vergonha na cara, sem corar, sem se enrubescer, e sorrindo muito, o tiranete maranhense dá entrevista dizendo que se sente muito honrado com a comparação feita entre ele e Ronaldo Fenômeno.
Como é possível que José Sarney seja pela quarta vez presidente do Senado Nacional?
Na verdade, a pergunta seria – como é possível que José Sarney ainda exista na política brasileira?
Fidel Castro, outra múmia que, como Sarney, se recusa a deitar sob a lápide, no mesmo dia declara que a revolução do povo egípcio, que derrubou a ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak, na verdade foi uma revolução contra o imperialismo americano.
Me pergunto quem é mais cara de pau, Sarney ou Fidel.
Da ilha-cárcere que a ditadura de Fidel infelicita há mais de 50 anos, Yoani Sanchez escreve que o povo egípcio nas ruas a deixa com uma certa inveja.
Tenho a mesma inveja de Yoani.
Por que somos mais sem-vergonha que os egípcios, que os tunisianos?
Não é uma questão de DNA. Não é porque fomos colonizados por Portugal, país chegado a um cartório, a uma certa preguiça. Portugal derrubou o salazarismo numa belíssima revolução popular. Ao fim de uma ditadura de direita de décadas, escreveu uma Constituição esquerdóide – o pêndulo da História, o pêndulo, o pêndulo –, mas depois soube corrigi-la, tirou da Constituição feita às pressas pós-ditadura de direita os exageros. Aggiornou-se, Portugal, aproximou-se do presente, do futuro. É hoje um país democrático, que tenta se livrar dos problemas econômicos históricos.
Ao nos livrarmos da ditadura militar, fizemos, como fez Portugal, uma Constituição revanchista contra a direita, detalhista até a medula, transformando o Estado em provedor-pai-mãe de tudo e de todos. Fizemos uma Constituição soviética, dois anos exatos antes de a União Soviética desabar feito castelo de cartas.
Às tragédias, sobrevieram mais tragédias. O presidente do consenso pós-ditadura militar não chegou a tomar posse, e a crueldade do destino fez presidente o vice que não para nunca ter ascendido ao poder, o tal do tiranete maranhense.
Como estávamos cansados de tudo o que parecia coisa velha, antiga, nos atiramos em 1989 num segundo turno entre duas “novidades”. Como a “novidade” alagoana achou que podia roubar todos os elefantes do circo sem ser notado.
E aí fomos pra rua, e derrubamos o ladrão ousado demais, ou ingênuo demais, que achava que poderia roubar todos os elefantes do circo sem ser percebido.
Somos um povo dócil, pacífico, mole, e então, apesar da gritaria histérica do lado de lá, escolhemos a continuidade, e tivemos, felizmente, oito anos de Fernando Henrique.
E aí veio o apedeuta, e de novo deu no que deu. O presidente impichado, tadinho, era um pobre coitado de um ladrão de carteira, comparado com a gang mafiosa que veio depois. E no governo do apedeuta todos ficaram irmãos, camaradas, cúmplices: os collor, os sarney, os newtão. São todos iguais, e se amam profundamente, e o ex-cara pintada Lindbergh Farias e Collor são todos amor perfeito, irmãos siameses, dilmistas de primeira.
O único lugar do mundo onde, em 2011, o “socialismo” é a meta é a América Latina.
Por que somos, a América Latina, a América Latrina da História? A vanguarda do atraso? O desejo de ser no futuro o que no passado já se provou um gigantesco equívoco?
Pior e mais direto: por que somos, os brasileiros, a vanguarda da vanguarda do atraso? Por que teimamos em ir contra a História?
Livros e filmes nos falam da corrupção disseminada por todo o tecido social – na Índia, na China, em praticamente todas as nações africanas.
Não vejo nada pior do que no Brasil, o Brasil dos Sarney, dos Jáder, dos Newtão, dos Garotinho, dos Collor, dos Renan – sem falar dos Silvinho, Delúbio, Dirceu, Erenice, dos Lulinha.
Somos a vanguarda da vanguarda da vanguarda do atraso. Caminhamos contra a história, dominados por irmãos metralha mancomunados com marqueteiros que recebem rios de dinheiro em paraísos fiscais.
Faz agora oito anos e dois meses que somos governados por incompetentes que assaltam o dinheiro que pagamos em impostos fingindo que vão nos presentear com o socialismo que já se provou morto e enterrado no mundo inteiro.
E quando alguns poucos de nós tentamos gritar um “Fora Sarney”, somos só mil ou dois mil, nunca mais que isso, até porque os carros de som, a máquina toda, foi comprada pelo governo, que é apoiado por todos os sarneys e collors e dirceus e newtões.
Yoani, minha cara, divido com você minha profunda, nojenta inveja dos tunisianos, dos egípcios.
Como somos covardes.
Como somos covardes, desorganizados, incompetentes.
* Texto de Por Sérgio Vaz, http://bit.ly/hy5YfE

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