Vivemos dias, como sabem, da mais absoluta inversão moral. Um deputado
como Osmar Terra (PMDB-RS), que propõe uma lei mais dura contra o tráfico, é
tratado pela imprensa como bandido. É achincalhado, convoca-se um batalhão para
dar opiniões e escrever artigos contra a sua proposta e lhe cassam a palavra.
Já um outro, como o petista Paulo Teixeira (SP), que acha que um estoque de
drogas para até 10 dias de consumo deve ser considerado legal (e isso é
tráfico, claro!), é visto como herói, é paparicado, é tratado como pensador.
Assim, ninguém aqui vai estranhar muito, embora possa ser estupefaciente, ao
saber que uma entidade que salva crianças indígenas do infanticídio está sendo
perseguida pelo Estado brasileiro. Vamos ver.
Num dos textos que escrevi textos que escrevi sobre o tal Beto, aquele senhor que,
por distração da Igreja, ainda era seu sacerdote, afirmei que a cultura politicamente
correta dos nossos dias convive bem com o infanticídio praticado por tribos
ianomâmis, mas acha absurdo que a Igreja Católica cultive alguns valores sobre
a família. Citei o caso dos ianomâmis, mas atenção!, há pelo menos 20 etnias no
Brasil que ainda matam suas crianças, sob o olhar cúmplice da Funai e do
Ministério da Justiça. Certa “antropologia” acha que o “homem branco” não tem
de se meter. Em nome do multiculturalismo, considera-se um “direito” matar
infantes. As situações que “justificam” a sentença são as mais variadas:
deficiência física, nascimento de gêmeos (um tem de ser morto), filho de mãe
solteira… E vai por aí.
Recebi um comentário enviado por Damares Alves, que é pastora da Igreja
do Evangelho Quadrangular, advogada e assessora parlamentar. Ela é fundadora e
dirigente de uma entidade chamada Movimento ATINI-Voz Pela Vida, que intervém,
salva e cuida de crianças condenadas. Também é preciso dar abrigo às famílias,
que, para salvar seus filhos, são obrigadas, muitas vezes, a deixar a comunidade.
Resultado: o ATINI está sendo perseguido pelo estado brasileiro. É isto mesmo:
quem salva vidas é obrigado a se explicar!
Damares está diretamente envolvida com o projeto, trabalho que é
severamente combatido pela Funai. A fundação e alguns de seus aloprados acham
que a intervenção descaracteriza a cultura dos índios. Leiam trecho da mensagem
de Damares. Volto em seguida.
Reinaldo,
Não
dá mais para viver neste país sem ler seu blog todos os dias. Que bom que você,
novamente, tocou no assunto infanticídio em áreas indígenas! Faz tempo que
queremos convidá-lo a conhecer alguns pais indígenas que, contando com apoio de
pessoas corajosas, lutaram para salvar seus filhos do infanticídio. Então fica
registrado o convite. Venha e descobrirá como estão lindas as crianças, algumas
já são adolescentes. Venha passar uma tarde conosco, em nossa instituição.
Venha jogar bola com elas (se prepare para perder), venha ver como elas estão
felizes. Mas venha também degustar comidas indígenas com os adultos — claro que,
em nosso cardápio, temos formigas vivas para lhe servir. Tem coragem?
Aproveito
para lhe recomendar o documentário “Quebrando o Silêncio”, da cineasta
Sandra Terena, onde ela, como indígena, apresenta imagens e depoimentos
provando que o infanticídio ocorre também em outras etnias e que os índios amam
seus filhos e querem ajuda para não mais eliminá-los, mesmo que alguns
“intelectuais” digam que os índios devem continuar matando seus filhos. Por
ajudar os indígenas a salvar as crianças o Movimento ATINI-Voz Pela Vida (www.atini.org/),
do qual sou uma das fundadoras, responde a inquéritos na Polícia Federal, e
algumas pessoas que voluntariamente acolheram crianças em suas casas também
estão sendo ameaçadas.
(…)
Reinaldo,
mais uma vez parabéns pela sua coragem. Obrigada por sempre lembrar dos
pequenos curumins, Que o Grande Tupã o abençoe!
Damares
Alves
Sou grato a Damares pelas palavras gentis, mas terei de declinar das
formigas vivas… Não rola, assim, uma farinha de mandioca com água, hehe?
Brincadeira à parte, Damares certamente cita o caso das formigas para deixar
claro que, ao salvar uma criança, ninguém está querendo mudar os hábitos
indígenas. Ademais, em nome de que teoria é sustentável a tese de que as
culturas indígenas estão proibidas de operar mudanças?
O direito à vida é um valor universal protegido pela nossa Constituição.
Assim, o infanticídio, se praticado em território brasileiro, é crime. E ponto
final. Ainda que índios não aculturados sejam inimputáveis (e é bom deixar
claro que o infanticídio persiste mesmo em tribos que já descobriram o mundo
moderno…), é evidente que os agentes da Funai não são. Se há conivência — E HÁ
— com essa prática, estão praticando crimes.
A comissão antes de Feliciano
A questão chegou à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara,
nos tempos pré-Feliciano, quando aquilo, a dar crédito aos nossos jornais, era
um antro de humanistas de esquerda. Em 2007, o deputado Henrique Afonso, do PV
do Acre, apresentou um projeto de lei que punia os funcionários públicos que
fossem coniventes com o assassinato de crianças indígenas. Responderiam por
crime de omissão de socorro.
A Funai e alguns antropólogos pressionaram. Os esquerdistas da comissão,
então, decidiram adiar o debate por quatro anos. Em 2011, a questão voltou. O
texto de Afonso foi substituído por outro, da deputada petista Janete Pietá
(PT-SP). Acabou-se com a possibilidade de punir os servidores públicos
brasileiros que, rasgando a Constituição, forem coniventes com o crime. Janete,
com aquela pureza d’alma muito própria dos petistas, deu, então, a seguinte
declaração: “A tradição de sacrificar crianças é mantida por poucas
comunidades. O Brasil tem mais de 200 povos indígenas. Se isso ainda ocorrer em
20, são apenas 10%”. Entenderam? Para a deputada petista, desde que não seja
muito infanticídio, mas só um pouco, então tudo bem.
Ninguém deu bola para a sua declaração. Não teve selinho. Quando a
comissão, em suma, nos tempos pré-Feliciano, deu aval branco para matar
criancinhas em nome da preservação da cultura indígena (só em 10% das
comunidades, né, deputada?), ninguém foi lá invadir a Câmara, subir na mesa,
sapatear.
Criancinha assassinada não faz lobby na imprensa.
*Texto por Reinaldo Azevedo