
Ricardo
Lewandowski tentou dar hoje ( ontem) o seu melhor à causa. E provou que pode ser,
deixem-me ver como escreverei, esperto. Muito esperto! Vamos ver se consigo
sintetizar a quem não viu os passos do espetáculo sórdido a que se assistiu
nesta quarta-feira.
O lead, a pegada, é a seguinte: tentou-se transformar a condenação do deputado
João Paulo Cunha (PT-SP) por peculato — que se deu por seis a cinco — numa
absolvição. Se a manobra tivesse sido bem-sucedida, o petista teria se livrado
do regime fechado, já que as duas outras condenações — corrupção passiva (três
anos) e peculato (três anos e quatro meses) — somavam seis anos e quatro meses.
Confirmada, ao fim da chicana, a condenação também por lavagem, sua pena total
é de nove anos e quatro meses — e isso quer dizer que ele terá de começar a
cumpri-la em regime fechado. Sim, sim, ainda há os embargos e coisa e tal, e,
antes do fim do julgamento, ministros podem mudar de ideia.
Mas vamos às cenas grotescas desta quarta, não sem antes recuperar uma
informação, que vem lá do passado.
Em
julgamento pregresso, que nada tem a ver com o do mensalão, a maioria dos
ministros decidiu que só participam da dosimetria de um condenado os que
votaram pela condenação. Entendeu-se que aqueles que absolveram eram favoráveis
a pena nenhuma; logo, não faria sentido arbitrarem uma punição se achavam que
ela era descabida.
Quando isso foi decidido — reitero: em passado remoto —, dois ministros
divergiram: Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Mendes lembrou, então, que um
julgamento criminal pode ser feito com maioria simples de ministros — bastam
seis.
Há a chance de se condenar alguém por 4 a 2. Assim, quatro podem fazer a
dosimetria, e não há nada de antirregimental nisso. O ministro objetava, então,
que seria desejável uma decisão com mais representantes da corte. Foi voto
vencido, e vencido ficou. Causa finita est.
Agora
João Paulo
O que se
deu hoje com João Paulo? Seis ministros o condenaram por lavagem de dinheiro —
Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres
Britto. Cinco o absolveram desse crime: Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli,
Cesar Peluso e Marco Aurélio. Ora, a exemplo do que se fez em outros casos, os
que condenaram decidem a dosimetria, certo?
A falsa
questão de Toron – O truque nº 1
Ayres
Britto cometeu uma falha que me parece importante: condenou João Paulo, mas
saiu sem deixar a sua dosimetria — poderia ter seguido o exemplo de Peluso e
deixado redigido o seu voto. Assim, sobraram cinco ministros para arbitrar a
pena. Eis, então, que o advogado de João Paulo, Alberto Toron — candidato à
presidência da OAB-SP (se eu fosse advogado, não votaria nele de jeito nenhum,
e ainda preciso dizer em outro texto por quê) —, levanta uma questão de ordem
falsa como nota de R$ 3.
Uma suposta minoria de cinco ministros estaria impedida de fazer a dosimetria.
Mais: o placar seria agora de cinco a cinco.
Por que a
questão é falsa?
Como
lembrou o ministro Gilmar Mendes, o quórum para um julgamento criminal é de
SEIS MINISTROS. Atenção! ASSIM É PARA O JULGAMENTO, PARA O MÉRITO!!! Há uma
questão de lógica elementar aí: se bastam seis para condenar ou absolver, é
evidente que dosimetria (já que quem absolve não decide) pode ser definida por
cinco e até por quatro ministros, certo? O quórum de seis ministros é para o
funcionamento do tribunal em certas matérias, não para decidir a pena.
Reitero:
isso já tinha sido decidido em passado distante, em outro julgamento. E sabem o
nome de um defensor entusiasmado da tese de que quem absolveu não vota? Acertou
quem chutou “Ricardo Lewandowski”. A falsa tese de Toron vinha atrelada a uma
outra proposta duplamente esdrúxula: o tribunal deveria aguardar a chegada de
Teori Zawascki, que toma posse amanhã, para que ele, então, ajudasse a decidir.
Absurdo 1 – Se, nas outras rodadas da dosimetria, os que absolveram não
votaram, por que dar a Zawascki o direito de votar se ele nem participou do
julgamento?
Absurdo 2 – Zawascki arbitraria uma pena em lugar de Ayres Britto? Toron
tentou inventar nesta quarta o “voto herdado” ou, sei lá, a transferência de
votos intervivos…
Absurdo 3 – Nesse próprio julgamento, cinco ministros já haviam arbitrado a
pena de dois outros réus. E que se destaque: também na dita Ação Penal 470,
ficou claro, mais uma vez, que só decidem a dosimetria os que condenaram.
Regimento dá a decisão a Barbosa – O truque nº 2
O
presidente do tribunal, ministro Joaquim Barbosa, indeferiu a questão de ordem
de Toron. E fez muito bem, ora essa! O tribunal já havia se manifestado sobre
ela em outras ocasiões. O Inciso VII do Artigo 13 do Regimento Interno lhe
confere o poder de decidir monocraticamente se acata ou não uma questão de
ordem. Ele só a submete ao plenário se quiser.
E quem é que se levanta, afirmando que o presidente era obrigado a submeter a
questão de ordem ao pleno do tribunal, inclusive aos ministros que haviam
absolvido João Paulo? Sim, queridos! Ricardo Lewandowski — que já se tornou uma
legenda nesse julgamento.
Veio em seu socorro (acredito que pelo simples prazer de divergir,
especialmente quando não tem razão) o ministro Marco Aurélio Mello, que defendeu
enfaticamente, e até o fim, que, para ele, havia uma situação de empate — cinco
a cinco — e que, pois, dever-se-ia arbitrar em favor do réu.
Questão
de ordem proposta por um ministro – O truque nº 3
Joaquim
Barbosa estrilou. E com razão! Estava-se diante de um estupendo absurdo.
Lewandowski e Marco Aurélio forçavam a mão para que uma condenação se
transformasse numa absolvição. Este segundo ministro já fazia digressões sobre
o mérito mesmo. O outro dizia ser antirregimental que o presidente se recusasse
a fazer a questão passar pelo plenário. O presidente da Casa (e relator)
alertava para um risco óbvio: a nulificação da condenação, ora!
Lewandowski
torcia o regimento e insistia que a questão de ordem tinha de ser apreciada
pelo colegiado. Era mentira! Coube a Celso de Mello sugerir aos dois ministros
inconformados que apelassem, então, a outro Artigo do Regimento: o 7º, no seu
Inciso IV, que estabelece que compete ao plenário “resolver as dúvidas que
forem submetidas pelo Presidente ou pelos ministros sobre a ordem do serviço ou
a interpretação e a execução do Regimento”.
Celso sugeriu que os dois ministros fossem os autores da questão de ordem.
Generoso que é, Lewandowski fez questão de que Marco Aurélio virasse o pai da
criança, como “homenagem”… Mui amigo!
Barbosa
submeteu, então, a questão ao plenário, não sem antes tomar o voto dos
ministros que haviam condenado João Paulo por peculato: três anos! Pegou a pena
mínima, sem agravante nenhum.
Atenção – Como o relator aplicou a pena mínima — três anos — e como Britto
havia condenado o deputado petista, é evidente que ele aplicaria, então, quando
menos, essa pena, certo?
Lewandowski
discorda de Lewandowski e deixa Marco Aurélio pendurado na brocha – O truque nº
4
Atenção,
atenção, gente boa! Já que todos iriam votar, qual era a aposta? Que os cinco
que absolveram, ali presentes, decidissem que a questão era procedente, sim.
Dando um cinco a cinco, evocar-se-ia o princípio do “empate pró-réu”. Ocorre, e
esta é a situação escandalosa, que não havia empate nenhum! João Paulo já havia
sido condenado no mérito.
Mas aí se
deu a coisa sensacional. Uma das que absolveram o deputado petista do crime de
lavagem é Rosa Weber. E foi justamente ela a primeira a votar sobre a
procedência ou não da questão levantada por Lewandowski, mas “comprada” por
Marco Aurélio. E a ministra preferiu, felizmente, o caminho da dignidade: ela
reconhecia, sim, a direito que tinham os cinco que condenaram de decidir a pena
de João Paulo, embora ela mesma o tivesse absolvido.
Pronto! A fatura estava liquidada: contra o deputado petista e a favor da
moralidade. Os cinco que haviam condenado, por certo, continuariam a defender a
sua prerrogativa de “dosimetrar” (como diria Ayres Britto). Com o voto de Rosa,
formava-se a maioria de seis.
Na
sequência, falou Luís Fux, que, obviamente, rechaçou a chicana. Aí chegou a vez
de Dias Toffoli. Já sabendo que, no mínimo, far-se-ia uma maioria de seis a
três, não teve dúvida: votou com o relator. Pronto: a coisa caminhava para um
sete a dois quando chegou a vez de Lewandowski.
E o que fez este leão, este gigante, este Colosso de Rhodes da coerência?
Sem nem mesmo poder contar com Toffoli — que chegou a dar um bom exemplo contra
a tese do companheiro (já falo a respeito) —, o revisor não hesitou: pulou fora
da própria tese e largou Marco Aurélio a falar sozinho.
Assim, por oito votos a um, o plenário decidiu de novo — e pela enésima vez —
que faz a dosimetria quem condena. Tendo havido a condenação com um quórum de
seis votantes, o resto é besteira.
O próprio
Toffoli, quem diria?, lembrou uma questão pertinente — não sem antes tentar
adiar a decisão para outro dia: digamos que alguém seja condenado por seis a
cinco por um crime qualquer e que um dos ministros que condenaram venha a
morrer antes da dosimetria.
A condenação viraria absolvição, então, com base da tese de Marco Aurélio?
Cuidado, ministro! A ser assim, juiz da corte suprema ainda acaba virando alvo,
não é mesmo? Felizmente, Britto está vivinho da Silva. Só não fez a dosimetria,
o que foi um erro considerável.
Chanchada
A
chanchada, como a gente vê, tomou conta do tribunal por algum tempo. Toron
tentou inventar um artigo no Regimento do Supremo que não está lá. Foi
secundado por Lewandowski, que ensaiou inventar outro, destituindo o presidente
de suas funções.
Marco Aurélio resolveu exercer a sua famosa paixão pela divergência (e existe
uma diferença entre a divergir por convicção e divertir por princípio), e, não
fosse o bom senso de Rosa Weber (que desestimulou Dias Toffoli e o próprio
Lewandowski), correr-se-ia o risco de ter uma condenação sem pena.
E não é
que foi o próprio Lewandowski a classificar, repetindo Gilmar Mendes, essa
possibilidade de uma “aporia”? Pois é… É quem foi o porta-voz da
irracionalidade? Lewandowski!
Encerro lamentando o
comportamento do ministro Marco Aurélio. Eu o considero, e não sou o único, um
homem muito inteligente. Muito mesmo! Mas ele tem algo perigosamente maior do
que a inteligência: a vaidade.
*Texto
por Reinaldo Azevedo