terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Previdência pagou meio bilhão de reais a famílias de presidiários em 2014.

Gabriela Salcedo
O auxílio-reclusão, benefício previdenciário mensal pago a dependentes de trabalhadores presos em regime fechado ou semiaberto, chega a apenas 6,3% da população carcerária brasileira, de aproximadamente 711,4 mil detentos. Mesmo assim, no ano passado, o governo federal desembolsou R$ 549,2 milhões para beneficiar familiares de 45,1 mil presos.
“O benefício tem pouquíssima amplitude, porque as pessoas presas, em geral, são dos extratos sociais mais vulneráveis da sociedade, que trabalham em situação informal e que não estão contribuindo para Previdência”, comentou o defensor público e coordenador do Núcleo do Sistema Carcerário da Defensoria de São Paulo, Patrick Cacicedo.
O valor médio do auxílio é de cerca de R$ 1.015,00. Contudo, ele difere de acordo com o histórico previdenciário de cada preso, com o quanto contribuía quando em liberdade, fazendo com que o benefício varie de um salário mínimo, de R$ 788, ao teto, de R$ 4.663,75.
Em 2013, a administração pública federal executou 517 milhões para o auxílio-reclusão, em valores já atualizados pela inflação (IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas). O valor respondia ao atendimento de 43,2 mil segurados, resultando em pagamento médio por benefício de R$ 997,30.
Em comparação, de 2013 para 2014, houve um crescimento de 1.893 cárceres segurados. A ampliação dos segurados implicou em uma alta de 6,2% do montante comprometido do orçamento público com o auxílio. Além disso, o valor do benefício médio subiu R$ 18,30, isto é, aumento de 1,8%.
O Ministério da Previdência Social é responsável pela execução do orçamento do auxílio-reclusão. O pagamento é efetuado em duas categorias: área rural e urbana. Em novembro do ano passado, mês de publicação do último Boletim Estatístico da Previdência Social, a Pasta gastou R$ 51,5 milhões com benefícios.
Do valor pago no penúltimo mês do ano passado, R$ 47,8 milhões foram pagos a família de segurados da área urbana, com média de R$ 1.153,97 por segurado, e outros R$ 3,7 milhões a família dos segurados de área rural, o equivalente a R$ 1.014,17 mensais.
De acordo com o órgão, o objetivo da iniciativa é garantir a sobrevivência do núcleo familiar, diante da ausência temporária do provedor. O benefício, instituído há mais de 50 anos, não é concedido àqueles que, quando detidos, não trabalhavam ou recebiam salário acima de R$ 1.089,72. Além disso, os dependentes do segurado podem deixar de recebê-lo. Ele é interrompido quando o preso obtém liberdade, foge ou progride para a pena de regime aberto.
Fim do auxílio-reclusão
O fim do auxílio-reclusão está previsto em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 304/13, da deputada federal não reeleita Antônia Lúcia (PSC-AC). Além de acabar com o benefício, os recursos usados para seu pagamento seriam destinados às vítimas dos crimes, quando sobreviverem, ou para as famílias, em caso de morte.
De acordo com o texto da PEC, o novo auxílio deve ser pago à vítima do crime pelo período em que ela ficar afastada da atividade que garante seu sustento. Já em caso de morte, é convertido em pensão aos dependentes da vítima.
Para a ainda deputada, o fato de o criminoso saber que sua família não ficará totalmente desamparada, se for preso, pode facilitar na decisão de cometer um crime. “Por outro lado, quando o crime implica sequelas à vítima, impedindo que desempenhe atividade que garante seu sustento, ela enfrenta hoje um total desamparo”, defende.
Chamado pejorativamente de “bolsa-bandido”, segundo Cacicedo, o fim do auxílio-reclusão não seria benéfico para a sociedade, além de não estabelecer relação direta com a concessão de novos benefícios aos prejudicados pelo ato criminoso.
“É uma medida populista, nitidamente para aparecer, que não tem qualquer correspondência com a realidade. O preso estava contribuindo para a previdência. Sendo assim, é um direito adquirido que evita de expor seus familiares a uma situação ainda mais delicada”, afirma.
Ainda está em votação no portal da Câmara Legislativa uma enquete para consultar a opinião dos internautas sobre a proposta do fim do auxílio-reclusão.
Atualmente, ela é a segunda enquete mais votada e apresenta resultado favorável à PEC 304/13. Cerca de 1,6 mil pessoas já votaram, sendo que 95,6% se posicionou a favor da emenda, 3,9% contra e 0,5% não souberam opinar.
Quanto à opinião popular, Cacicedo acredita que a maioria das pessoas opina sobre o assunto de forma inverídica e leviana, baseadas em boatos de rede social e desinformação. “Reproduzem mentiras, quando na verdade o benefício é para resguardar a família presa que já está bastante vulnerável”, explica.
Sistema Carcerário Brasileiro
Logo nos primeiros dias do ano, houve rebelião no complexo prisional de Pernambuco, em Curado. Nela, dois presidiários e um policial militar foram mortos. No ano passado, o palco das rebeliões foi o Paraná, no Complexo Penitenciário de Cascavel, de onde quatro presos saíram mortos após rebelião.
Entre as queixas dos detentos, as mais ouvidas – e também mais comumente vistas em imagens televisivas e fotográficas, como a que ilustra esta reportagem – são sobre a superlotação dos estabelecimentos prisionais e péssimas condições das unidades do sistema carcerário brasileiro.
Pela última contagem do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), de junho de 2014, o Brasil chegou à proporção de 358 pessoas presas para cada 100 mil habitantes. Dos mais de 711,4 mil detentos, 147,9 mil estão em prisão domiciliar e não ocupam vagas prisionais.
Sem considerar as prisões domiciliares, o déficit atual de vagas no sistema, de acordo com a CNJ, é de 206 mil. Contudo, se as prisões domiciliares forem levadas em conta, o déficit chega a 354 mil vagas.
“O caos é geral e absoluto. Em São Paulo, por exemplo, além da falta de vagas, não há equipe básica de saúde para assistências mais primárias dos presos. Os estabelecimentos femininos estão sem ginecologistas. A situação é caótica como um todo”, ressalta o coordenador.
Além disso, contados os mandados de prisão em aberto, de 374 mil, de acordo com o Banco Nacional de Mandados de Prisão, a população prisional saltaria para 1,089 milhão de pessoas e o problema de superlotação nas unidades prisionais se acentuaria ainda mais.
Quando a superlotação do sistema carcerário brasileiro é posto em pauta como um dos problemas de segurança pública, as administrações públicas do país não entram em consenso. Entre as propostas, a privatização dos presídios é vista como uma das possíveis soluções.
O governo de São Paulo, por exemplo, propõe privatização de penitenciárias, criando inicialmente 7,2 mil vagas de regime fechado e 3,3 mil no semiaberto. Outros estados já testam o modelo, como é o caso de Minas Gerais com o Complexo Prisional de Ribeirão das Neves, em funcionamento desde janeiro de 2013.
Nos modelos, os complexos são construídos pela iniciativa privada e, além de administrar os presídios, as empresas recebem um valor mensal por cada detento.
“O preso passa a ser objeto de negócio e fica interessante ter cada vez mais presos, leis cada vez mais duras para aumentar a população encarcerada”, explica Cacicedo.
Contra a privatização, o defensor publico conta que em países que se adotaram penitenciarias privadas, como os Estados Unidos, o sistema fracassou. Segundo ele, houve um boom de encarceramento e, portanto, a tendência é que se piore ainda mais a situação caso a medida seja adotada.

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