sábado, 6 de junho de 2015

O péssimo exemplo de Neymar Jr.


A edição da revista Época que chega hoje às bancas revela, entre uma e outra maracutaia no campo fértil da cartolagem futebolística, que o jogador do Barcelona Neymar Jr. e seu pai entraram numa lista de possíveis alvos da Receita Federal brasileira. A principal suspeita está na transação de transferência de Neymar Jr., do Santos para o Barcelona. De acordo com a reportagem, há suspeitas de que dois terços da transação tenham passado ao largo da Receita. Em vez de € 86 milhões, Neymar Jr., de acordo com uma investigação do Ministério Público da Espanha, custou ao Barça € 284 milhões. O escândalo já fez ceifou cabeças na Espanha e agora chega ao Brasil.

Para quem acompanha as idas e vindas de Neymar Jr., não se trata exatamente de uma surpresa. Sob o discurso de marqueteiros competentíssimos, suas atitudes há muito já eram condenáveis. Em 2011, na final do mundial de clubes da Fifa, ele entrou com a camisa do Santos para jogar contra o Barcelona. O resultado, para quem não se lembra, foi 4 a 0 para o Barça. Na ocasião, ele já havia acertado sua transferência para o clube espanhol e, sem o conhecimento dos dirigentes do Santos, a empresa de seu pai já embolsara € 10 milhões pela transação. Em suma: ele recebeu dinheiro de um clube contra o qual disputaria uma final. Independentemente do que a lei afirme a respeito ou dos escrúpulos morais que advogados bem pagos certamente haverão de arranjar para justificar o fato, trata-se de um escândalo. Qualquer ser humano que tenha uma noção básica de certo e errado sabe que, em tal situação, o mínimo a fazer era se declarar impedido de entrar em campo. Ainda assim, Neymar Jr. jogou, perdeu o jogo, foi para o Barça (onde protagonizou várias conquistas), jogou pelo Brasil na Copa, fracassou com a seleção – e até hoje é considerado um herói da torcida.

Este é o nosso herói? Alguém que recebe dinheiro do time contra o qual vai jogar?

Esportistas são exemplos para as crianças, para os adultos e para a nação. Importa não apenas o que fazem em campo, mas sobretudo como se comportam fora dele. Embora sejam tão humanos quanto qualquer um de nós, portanto sujeitos a erros e desvios de conduta, eles têm um dever adicional, além de vencer as competições: devem servir de inspiração.

Quando o escândalo de Neymar Jr. veio à tona, no início de 2014, escrevi na própria Época um editorial sobre o assunto. Nele, mencionava vários atletas que souberam cumprir esse papel inspirador, pelo exemplo moral. Nos Estados Unidos, o jogador de beisebol Joe DiMaggio, o boxeador Mohammed Ali ou o jogador de basquete Magic Johnson. No Brasil, entre tantos outros, o primeiro nome que vem à mente é o rei Pelé. Todos inspiram não apenas por vencer, mas pela forma como vencem. Nas palavras do repórter Gay Talese, no memorável perfil que escreveu de Joe DiMaggio: “Um imortal, os jornalistas esportivos o chamavam, e a outros como ele, raramente sugerindo que tais heróis possam estar inclinados aos males do comum dos mortais, farreando, bebendo, tramando. Sugerir isso destruiria o mito, desiludiria meninos, deixaria furiosos os donos dos times, para quem o beisebol é um negócio. Então, o herói do beisebol precisa sempre desempenhar seu papel, precisa preservar o mito, e ninguém faz isso melhor que DiMaggio”.

Neymar Jr. e outros futebolistas brasileiros, que parecem se achar tão espertos e não ver problema algum em enganar o torcedor ou a Receita Federal, têm muito a aprender com o exemplo de DiMaggio. O brasileiro médio, que considera Neymar um herói, também. Sonegar impostos ou entrar em campo tendo recebido dinheiro do adversário é uma vergonha muito pior que a derrota – seja o placar 4 a 0 ou 7 a 1.
http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/o-pessimo-exemplo-de-neymar-jr.html

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