Num livro de memórias, o ex-deputado federal diz que considerava o PT o partido da ética – e que começou a se decepcionar no primeiro dia do governo Lula.
Antonio Carlos Biscaia surgiu na vida política nacional depois de conduzir, como procurador-geral do Rio de Janeiro, uma investigação que levou à prisão da cúpula do jogo do bicho no Estado. Filiado ao PT a convite do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva , foi para a política. Decepcionou-se. Agora Biscaia resolveu contar num livro de memórias, Biscaia (Editora Cássara, 341 páginas, R$ 50), o que viu nos anos em que foi deputado. Nesta entrevista, afirma que alertou o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, sobre um esquema de corrupção na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do Rio que dizia ser comandado pelo deputado cassado Roberto Jefferson. “Minha advertência foi ignorada.” Posteriormente, o mesmo Jefferson acusou Dirceu de comandar o mensalão. Biscaia contou que votou no plenário da Câmara pela cassação de Dirceu. Ele revelou ainda uma tentativa de suborno quando investigava os bicheiros do Rio. A biografia de Biscaia chegará às livrarias no início do mês que vem.
ÉPOCA – O senhor se diz decepcionado com o PT. Em que momento começou essa decepção?
Antonio Carlos Biscaia – Sempre tive uma visão social da política. Filiei-me ao PT por convite do Lula. Estava encantado com a bandeira ética do partido. Minha decepção começou no dia 1º de janeiro de 2003, dia da posse. Caminhava ao lado do deputado Jaques Wagner, já indicado para ser ministro do Trabalho, para o ato público, meio emocionado. Disse a ele: “Deputado, por favor, veja com atenção a Delegacia Regional do Trabalho do Rio, porque ela é problemática. Há oito anos é controlada pelo Roberto Jefferson. Tem de colocar uma pessoa correta lá”. Ele disse que havia dois candidatos, que achei excelentes. E pediu minha ajuda.
ÉPOCA – O senhor chegou a falar com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, sobre esse assunto?
Biscaia – Cheguei. Em fevereiro, pedi uma audiência com ele. Lembro até hoje, ele me recebeu às 16h20 e me deu dez minutos. Fui direto ao assunto: “Ministro, nunca nomeei ninguém para o governo. Estou preocupado com a DRT do Rio, queremos moralizar aquilo. É importante que o escolhido seja alguém desvinculado do Roberto Jefferson”. Ele respondeu: “Não é possível. Fiz um acordo político. Política é sustentada na base do compromisso. No segundo turno, fiz um acordo para ele apoiar o Lula”. Nesse acordo, entre outros, estavam o Ministério do Turismo, os Correios e a DRT. Mas ele disse que estava com a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), e que todo indicado seria “verificado”. Eu disse que não adiantava, pois qualquer indicado pelo Jefferson seria ligado ao esquema. (Ouvida por ÉPOCA, a assessoria de José Dirceu diz que ele não se lembra de uma conversa de dez minutos ocorrida há tanto tempo e afirma que as nomeações para cargos federais “ocorriam dentro da mais estrita normalidade. As indicações feitas pelos partidos atendiam a um acordo político de conhecimento público e de legitimidade inquestionável”.) Minha advertência foi ignorada. E, em 2005, houve aquele escândalo (o delegado da DRT Henrique Barbosa de Pinho e Silva, indicado por Jefferson, foi acusado de prevaricação).
Antonio Carlos Biscaia – Sempre tive uma visão social da política. Filiei-me ao PT por convite do Lula. Estava encantado com a bandeira ética do partido. Minha decepção começou no dia 1º de janeiro de 2003, dia da posse. Caminhava ao lado do deputado Jaques Wagner, já indicado para ser ministro do Trabalho, para o ato público, meio emocionado. Disse a ele: “Deputado, por favor, veja com atenção a Delegacia Regional do Trabalho do Rio, porque ela é problemática. Há oito anos é controlada pelo Roberto Jefferson. Tem de colocar uma pessoa correta lá”. Ele disse que havia dois candidatos, que achei excelentes. E pediu minha ajuda.
ÉPOCA – O senhor chegou a falar com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, sobre esse assunto?
Biscaia – Cheguei. Em fevereiro, pedi uma audiência com ele. Lembro até hoje, ele me recebeu às 16h20 e me deu dez minutos. Fui direto ao assunto: “Ministro, nunca nomeei ninguém para o governo. Estou preocupado com a DRT do Rio, queremos moralizar aquilo. É importante que o escolhido seja alguém desvinculado do Roberto Jefferson”. Ele respondeu: “Não é possível. Fiz um acordo político. Política é sustentada na base do compromisso. No segundo turno, fiz um acordo para ele apoiar o Lula”. Nesse acordo, entre outros, estavam o Ministério do Turismo, os Correios e a DRT. Mas ele disse que estava com a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), e que todo indicado seria “verificado”. Eu disse que não adiantava, pois qualquer indicado pelo Jefferson seria ligado ao esquema. (Ouvida por ÉPOCA, a assessoria de José Dirceu diz que ele não se lembra de uma conversa de dez minutos ocorrida há tanto tempo e afirma que as nomeações para cargos federais “ocorriam dentro da mais estrita normalidade. As indicações feitas pelos partidos atendiam a um acordo político de conhecimento público e de legitimidade inquestionável”.) Minha advertência foi ignorada. E, em 2005, houve aquele escândalo (o delegado da DRT Henrique Barbosa de Pinho e Silva, indicado por Jefferson, foi acusado de prevaricação).
ÉPOCA – O senhor também alertou a bancada sobre Waldomiro Diniz (ex-presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro e ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência que apareceu num vídeo, divulgado por ÉPOCA em 2004, recebendo propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira)?
Biscaia – Sim. Na primeira reunião, Waldomiro Diniz foi apresentado como a pessoa que intermediaria nossa relação com a Casa Civil. E eu o conhecia como o cara da Loterj, ligado a práticas que não eram possíveis. Um deputado ainda disse que eu não podia criticá-lo, porque era pessoa de confiança do José Dirceu. Fui à tribuna e falei: “Como um cara desses pode estar num governo do PT?”. Depois apareceu aquele vídeo dele recebendo dinheiro.
ÉPOCA – O senhor presidiu a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Nessa ocasião, o senhor precisou se
opor ao PT?
Biscaia – Eu não era de nenhuma tendência do PT, acabei chegando à presidência da CCJC porque a bancada não chegou a um consenso. Em 2005, quando o Dirceu voltou à Câmara para se defender, a Comissão de Ética votou por sua cassação. Ele recorreu à CCJC. Eu disse de cara que era contra aquele recurso, mas vivia o dilema de ser indicado pelo partido. E votei pela cassação dele em plenário. Para mim, sempre esteve provada a quebra de decoro parlamentar. Nem sei se havia provas criminais, mas a quebra de decoro estava clara. O José Dirceu está sabendo desse meu voto agora.
ÉPOCA – O senhor foi um dos petistas que assinaram a CPI dos Correios, fato que não foi bem digerido pelo governo na ocasião. Como foi isso?
Biscaia – Sim, um dos 18 petistas era eu. Não conseguia defender as alianças formadas pelo Lula.
Biscaia – Sim. Na primeira reunião, Waldomiro Diniz foi apresentado como a pessoa que intermediaria nossa relação com a Casa Civil. E eu o conhecia como o cara da Loterj, ligado a práticas que não eram possíveis. Um deputado ainda disse que eu não podia criticá-lo, porque era pessoa de confiança do José Dirceu. Fui à tribuna e falei: “Como um cara desses pode estar num governo do PT?”. Depois apareceu aquele vídeo dele recebendo dinheiro.
ÉPOCA – O senhor presidiu a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Nessa ocasião, o senhor precisou se
opor ao PT?
Biscaia – Eu não era de nenhuma tendência do PT, acabei chegando à presidência da CCJC porque a bancada não chegou a um consenso. Em 2005, quando o Dirceu voltou à Câmara para se defender, a Comissão de Ética votou por sua cassação. Ele recorreu à CCJC. Eu disse de cara que era contra aquele recurso, mas vivia o dilema de ser indicado pelo partido. E votei pela cassação dele em plenário. Para mim, sempre esteve provada a quebra de decoro parlamentar. Nem sei se havia provas criminais, mas a quebra de decoro estava clara. O José Dirceu está sabendo desse meu voto agora.
ÉPOCA – O senhor foi um dos petistas que assinaram a CPI dos Correios, fato que não foi bem digerido pelo governo na ocasião. Como foi isso?
Biscaia – Sim, um dos 18 petistas era eu. Não conseguia defender as alianças formadas pelo Lula.
ÉPOCA – Houve alguma tentativa de subornar o senhor durante as investigações que levaram à prisão da cúpula do jogo do bicho no Rio?
Biscaia – Houve. E não foi feita diretamente por um bicheiro. Um dia estava na minha sala e tocou o telefone oficial. Era o José Nader, presidente da Assembleia Legislativa. “Doutor Biscaia, eu gostaria de uma audiência com o senhor”, ele disse. Perguntei quando. Ele pediu para o mesmo dia. Chegou super-rápido e sentou na minha frente. O diálogo foi o seguinte: “Doutor Biscaia, vou direto ao assunto. Tem um deputado lá na Alerj que é irmão do Anísio (bicheiro de Nilópolis). Ele não é bom de conversa. Então, os banqueiros do jogo do bicho me pediram para ser o intermediário. Quanto o senhor quer para acabar com essa investigação?”. Respondi: “Ponha-se daqui para fora, deputado”. (Procurado por ÉPOCA, Nader não respondeu às acusações de Biscaia até o fechamento desta edição.)
Biscaia – Houve. E não foi feita diretamente por um bicheiro. Um dia estava na minha sala e tocou o telefone oficial. Era o José Nader, presidente da Assembleia Legislativa. “Doutor Biscaia, eu gostaria de uma audiência com o senhor”, ele disse. Perguntei quando. Ele pediu para o mesmo dia. Chegou super-rápido e sentou na minha frente. O diálogo foi o seguinte: “Doutor Biscaia, vou direto ao assunto. Tem um deputado lá na Alerj que é irmão do Anísio (bicheiro de Nilópolis). Ele não é bom de conversa. Então, os banqueiros do jogo do bicho me pediram para ser o intermediário. Quanto o senhor quer para acabar com essa investigação?”. Respondi: “Ponha-se daqui para fora, deputado”. (Procurado por ÉPOCA, Nader não respondeu às acusações de Biscaia até o fechamento desta edição.)
ÉPOCA – No Ministério Público, o inquérito liderado pelo senhor mostrou as relações entre o jogo do bicho e a política. O escândalo de Carlinhos Cachoeira mostra que isso não mudou?
Biscaia – Naquela época, todo mundo achava que o bicho era inocente. Os bicheiros gozavam de certo status social, porque muitos ainda os ligavam àquelas figuras folclóricas do subúrbio. Provamos que o bicho era uma organização criminosa, com estrutura mafiosa e ramificações nos poderes do Estado. Tinha foto dos bicheiros com o Marcelo Alencar (ex-governador do Rio de Janeiro) e o Darcy Ribeiro. Basta olhar os palanques da época. No Estado de Goiás, você vê isso claramente. Para quem, como eu, vem do Ministério Público, o caso do Demóstenes (Torres, senador cassado) é estarrecedor. Ele dizer que não sabia que o Cachoeira era banqueiro do jogo do bicho é ridículo. Todo o país sabia! Os bicheiros não se contentam com o jogo, eles querem participar dos governos, do Estado.
ÉPOCA – No livro, o senhor afirma que teve um encontro com o então presidente do PT, Ricardo Berzoini, antes do escândalo dos aloprados (episódio ocorrido durante as eleições de 2006 em que petistas tentaram comprar um dossiê falso contra o tucano José Serra). Como foi esse encontro?
Biscaia – O Jorge Lorenzeti (um dos aloprados) me procurou. Ele estava com várias fotografias e disse que os Vedoins (família que produziu os papéis falsos) tinham fotografias e algum tipo de dossiê que implicava o José Serra. Eles queriam vender o dossiê. Eu disse: “Vocês não vão negociar com corrupto, né?”. Disse que eles deviam encaminhar tudo o que sabiam para o procurador-geral da República. Claro que minha recomendação não foi acatada. Eles se mexeram para comprar o dossiê, mas a PF estava acompanhando as ligações telefônicas. E foi aquele escândalo, que constrangeu a todos nós. Foi uma das causas do segundo turno em 2006.(MAURÍCIO MEIRELES, na Revista Época)
Biscaia – Naquela época, todo mundo achava que o bicho era inocente. Os bicheiros gozavam de certo status social, porque muitos ainda os ligavam àquelas figuras folclóricas do subúrbio. Provamos que o bicho era uma organização criminosa, com estrutura mafiosa e ramificações nos poderes do Estado. Tinha foto dos bicheiros com o Marcelo Alencar (ex-governador do Rio de Janeiro) e o Darcy Ribeiro. Basta olhar os palanques da época. No Estado de Goiás, você vê isso claramente. Para quem, como eu, vem do Ministério Público, o caso do Demóstenes (Torres, senador cassado) é estarrecedor. Ele dizer que não sabia que o Cachoeira era banqueiro do jogo do bicho é ridículo. Todo o país sabia! Os bicheiros não se contentam com o jogo, eles querem participar dos governos, do Estado.
ÉPOCA – No livro, o senhor afirma que teve um encontro com o então presidente do PT, Ricardo Berzoini, antes do escândalo dos aloprados (episódio ocorrido durante as eleições de 2006 em que petistas tentaram comprar um dossiê falso contra o tucano José Serra). Como foi esse encontro?
Biscaia – O Jorge Lorenzeti (um dos aloprados) me procurou. Ele estava com várias fotografias e disse que os Vedoins (família que produziu os papéis falsos) tinham fotografias e algum tipo de dossiê que implicava o José Serra. Eles queriam vender o dossiê. Eu disse: “Vocês não vão negociar com corrupto, né?”. Disse que eles deviam encaminhar tudo o que sabiam para o procurador-geral da República. Claro que minha recomendação não foi acatada. Eles se mexeram para comprar o dossiê, mas a PF estava acompanhando as ligações telefônicas. E foi aquele escândalo, que constrangeu a todos nós. Foi uma das causas do segundo turno em 2006.(MAURÍCIO MEIRELES, na Revista Época)
COMENTÁRIO: Os partidários e militantes do PT, sempre invocam alguma entidade mediúnica quando pegos em falcatruas: a zelite, o neoliberalismo, o PIG, a Veja, a Globo. Como os evangélicos pilantras que invocam sempre o diabo. Fico curioso sobre que entidade seria invocada no caso do Biscaia.(Rafael Picate, Grupo Resistência Democrática).
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