Para os juízes
do STF, é hora de comedimento redobrado.(será?)
Crítica do
ministro Marco Aurélio à decisão do juiz Sergio Moro de determinar a condução
coercitiva de Lula pode provocar danos mais consistentes que o desconforto
experimentado pelo petista.
A não
observância das regras destinadas aos próprios juízes, aparentemente cometida
pelo ministro Marco Aurélio, pode aniquilar da autonomia de Moro -
constitucionalmente garantida -, vendo-se já criticado pela instância
superior.(Laílson Santos/VEJA)
O ministro Marco
Aurélio afirmou à imprensa que "o chicote muda de mão" e que
"não se avança atropelando regras básicas", referindo-se, em tom de
crítica, à decisão do juiz Sergio Moro de determinar a condução coercitiva de
Lula para prestar depoimento no último dia 4. Taxando de "atropelo" a
ordem de Moro, teria dito à imprensa que, "quando se potencializa o
objetivo a ser alcançado em detrimento de lei, se parte para o justiçamento, e
isso não se coaduna com os ares democráticos da Carta de 1988 (Constituição)".
Se assim foi,
foram sábias as palavras do ministro. Mas talvez não as tenha, ele próprio, bem
praticado.
Sua declaração
corre o risco de provocar danos mais consistentes que o desconforto de Lula ao
depor à Polícia Federal.
Atropelou-se o
próprio ministro ao expressar sua opinião sobre decisão cuja revisão não lhe
foi pedida no âmbito do processo, esquecendo regra básica da lei orgânica da
magistratura, em seu artigo 36, que diz:
"É
vedado ao magistrado:
(...)
III -
manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente
de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos
ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras
técnicas ou no exercício do magistério.
(...)"
A lei emana da
experiência sociológica de um povo (exceção sempre feita às costumeiras leis de
interesse) no propósito do estabelecimento da ordem, ordem esta que, se não
atendida, implica o caos social.
O chamado
"espírito da lei" então deriva do clamor popular pela Justiça, este
ente intangível que se dispõe a manter o pacto social funcionando do melhor
modo possível.
No exercício da
distribuição da Justiça - que é tarefa dos magistrados -, também eles estão
submetidos a "normas internas", por assim dizer, que buscam certa
homogeneidade de conduta, em tudo sendo o norte a paz social, a manutenção da
tessitura em níveis gerais de boa convivência humana.
A lei orgânica
da magistratura desenvolve este papel, o de regrar a conduta dos juízes, sendo
ela o inexorável resultado da experiência acumulada pelos acertos e erros
apurados no tempo.
A não
observância das regras destinadas aos próprios juízes, aparentemente cometida
pelo ministro Marco Aurélio, pode implicar desdobramentos sérios, além da
simples ilegalidade do ato. O primeiro deles é o aniquilamento da autonomia de
Moro - constitucionalmente garantida -, vendo-se já criticado pela instância
superior.
Outro
consequência é a instabilidade social decorrente da veiculação da
"opinião" (porque disto não passa, neste estágio) de um ministro do
STF contrariamente à do juiz a quem incumbe, agora, dirigir e decidir a causa,
sozinho e com os elementos de seu livre convencimento.
O povaréu - que
não conhece a norma, mas está a ela obrigado - encontra na divergência de
posturas um ótimo caldo de cultura para os confrontos, cada qual tomando o lado
que lhe convém.
Mas a mais grave
de todas as consequências, porém, é a de ver-se o ministro Marco Aurélio, ele
próprio, impedido de sequer apreciar todo o processo que envolve o ex-presidente,
nisto consistindo um dano irreparável ao Brasil. Note-se que também suas foram
estas palavras ao decidir o HC nº 74.203:
"(...)
IMPEDIMENTO - ANTECIPAÇÃO DE JUÍZO. Constatando-se haver o magistrado emitido
juízo de valor sobre a controvérsia antes do momento propício, forçoso é
concluir pelo respectivo impedimento, a teor do disposto no artigo 36, inciso
III, da Lei Orgânica da Magistratura. Isso ocorre quando, no julgamento de
embargos infringentes, revela convencimento sobre matéria que lhe é estranha,
porquanto somente passível de ser examinada uma vez provido o recurso e
apreciada a apelação que a veiculou (2ª T. Min. Marco Aurélio, DJ 22.09.00, p.
69)".
Portanto,
ínclitos julgadores, é hora de comedimento redobrado, de cautela acurada e
lábios cerrados.
(*) Renata Di
Pierro é advogada civilista, especializada em Direito Político, Financeiro e
Administrativo pela USP.
*Reportagem de Laílson Santos, na VEJA
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