Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de impeachment por configurar infração político-administrativa, em que um chefe de poder tenta interferir em outro”. A frase é do decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, em reação à informação de que o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tenta fazer pressão sobre ministros do tribunal para que o processo do mensalão não seja julgado antes das eleições municipais de 2012. “É um episódio anômalo na história do STF”, disse.
As informações sobre a tentativa de pressão de Lula foram publicadas em reportagem da revista Veja deste fim de semana. Os dois mais antigos ministros do Supremo – além de Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio – reagiram com perplexidade à reportagem. Ouvidos neste domingo (27/5) pela revista Consultor Jurídico, os dois ministros classificaram o episódio como “espantoso”, “inimaginável” e “inqualificável”.
De acordo com os ministros, se os fatos narrados na reportagem da semanal espelham a realidade, a tentativa de pressão é grave. Para o ministro Celso de Mello, “a conduta do ex-presidente da República, se confirmada, constituirá lamentável expressão do grave desconhecimento das instituições republicanas e de seu regular funcionamento no âmbito do Estado Democrático de Direito. O episódio revela um comportamento eticamente censurável, politicamente atrevido e juridicamente ilegítimo”.
Já o ministro Marco Aurélio afirmou que a pressão sobre um ministro do Supremo é “algo impensável”. Marco afirmou que não sabia do episódio porque o ministro Gilmar Mendes, como afirmou a revista Veja, tinha relatado o encontro com Lula apenas ao presidente do STF, ministro Ayres Britto. Mas considerou o fato inconcebível. “Não concebo uma tentativa de cooptação de um ministro. Mesmo que não se tenha tratado do mérito do processo, mas apenas do adiamento, para não se realizar o julgamento no semestre das eleições. Ainda assim, é algo inimaginável. Quem tem de decidir o melhor momento para julgar o processo, e decidirá, é o próprio Supremo”.
De acordo com Veja, o ministro Gilmar Mendes foi convidado para um encontro com Lula no escritório de Nelson Jobim, advogado, ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Defesa do governo petista. Lula teria dito a Mendes que é inconveniente que o mensalão seja julgado antes das eleições e afirmado que teria o controle político da CPI do Cachoeira. Ou seja, poderia proteger Gilmar Mendes.
Circulam na CPI informações sobre um encontro entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) em Berlim, em viagem paga por Carlinhos Cachoeira. Mendes teria reagido: “Vou a Berlim como você vai a São Bernardo do Campo. Minha filha mora lá. Vá fundo na CPI”. À revista Veja, Mendes confirmou o encontro com Demóstenes na Alemanha, mas disse que pagou as despesas da viagem de seu bolso.
“Tentar interferir dessa maneira em um julgamento do STF é inaceitável e indecoroso. Rompe todos os limites da ética. Seria assim para qualquer cidadão, mas mais grave quando se trata da figura de um presidente da República. Ele mostrou desconhecer a posição de absoluta independência dos ministros do STF no desempenho de suas funções”, disse o ministro Celso de Mello.
Para Marco Aurélio, o STF não está sujeito a qualquer pressão: “Julgaremos na época em que o processo estiver aparelhado para tanto. A circunstância de termos um semestre de eleições não interfere no julgamento. Para mim, sempre disse, esse é um processo como qualquer outro”. Marco também disse acreditar que nenhum partido tenha influência sobre a pauta do Supremo. “Imaginemos o contrário. Se não se tratasse de membros do PT. Outro partido teria esse acesso, de buscar com sucesso o adiamento? A resposta é negativa”, afirmou.
De acordo com o ministro, as referências do ex-presidente sobre a tentativa de influenciar outros ministros por via indireta são quase ingênuas. “São suposições de um leigo achar que um integrante do Supremo Tribunal Federal esteja sujeito a esse tipo de sugestão”, disse. Na conversa relatada por Veja, Lula teria dito que iria pedir ao ministro aposentado Sepúlveda Pertence para falar com a ministra Cármen Lúcia, de quem é muito amigo. E que o ministro Lewandowski só liberará seu voto neste semestre porque está sob enorme pressão.
Marco Aurélio não acredita em nenhuma das duas coisas: “A ministra Cármen Lúcia atua com independência e equidistância. Sempre atuou. E ela tem para isso a vitaliciedade da cadeira. A mesma coisa em relação ao ministro Ricardo Lewandowski. Quando ele liberar seu voto será porque, evidentemente, acabou o exame do processo. Nunca por pressão”.
O ministro Celso de Mello também disse que a resposta de Gilmar Mendes “foi corretíssima e mostra a firmeza com que os ministros do STF irão examinar a denúncia na Ação Penal que a Procuradoria-Geral da República formulou contra os réus”. Para o decano do STF, “é grave e inacreditável que um ex-presidente da República tenha incidido nesse comportamento”.
De acordo com o decano, o episódio é grave e inqualificável sob todos os aspectos: “Um gesto de desrespeito por todo o STF. Sem falar no caráter indecoroso é um comportamento que jamais poderia ser adotado por quem exerceu o mais alto cargo da República. Surpreendente essa tentativa espúria de interferir em assunto que não permite essa abordagem. Não se pode contemporizar com o desconhecimento do sistema constitucional do país nem com o desconhecimento dos limites éticos e jurídicos”.
Celso de Mello tem a convicção de que o julgamento do mensalão observará todos os parâmetros que a ordem jurídica impõe a qualquer órgão do Judiciário. “Por isso mesmo se mostra absolutamente inaceitável esse ensaio de intervenção sem qualquer legitimidade ética ou jurídica praticado pelo ex-presidente da República. De qualquer maneira, não mudará nada. Esse comportamento, por mais censurável, não afetará a posição de neutralidade, absolutamente independente com que os ministros do STF agem. Nenhum ministro permitirá que se comprometa a sua integridade pessoal e funcional no desempenho de suas funções nessa Ação Penal”, disse o ministro.
Ainda de acordo com o decano do Supremo, o processo do mensalão será julgado “por todos de maneira independente e isenta, tendo por base exclusivamente as provas dos autos”. O ministro reforçou que a abordagem do ex-presidente é inaceitável: “Confirmado esse diálogo entre Lula e Gilmar, o comportamento do ex-presidente mostrou-se moralmente censurável. Um gesto de atrevimento, mas que não irá afetar de forma alguma a isenção, a imparcialidade e a independência de cada um dos ministros do STF”.
O anfitrião do encontro entre Lula e Gilmar Mendes, Nelson Jobim, negou que o ex-presidente tenha feito pressão sobre o ministro do Supremo. Em entrevista ao jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, que será publicada nesta segunda-feira (28/5), Jobim, repetiu o que disse desde que a semanal chegou às bancas: "nada do que foi relatado pela Veja aconteceu". O ex-ministro ainda disse ao jornal: "Estranho que o encontro tenha acontecido há um mês e só agora Gilmar venha se dizer indignado com o que ouviu de Lula. O encontro foi cordial. Lula queria agradecer a colaboração de Gilmar com o seu governo".
(Consultor Jurídico)
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