sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A asquerosa campanha contra a indignação de um povo.

É asquerosa a campanha que setores da imprensa, correntes na Internet e políticos da oposição e da situação começaram a fazer contra o povo brasileiro. Considerar uma ofensa a Lula a sugestão de que recorra ao SUS, ainda que não tenha obrigação nenhuma de fazê-lo, é admitir que o serviço é, então, ruim e que, por isso, está muito abaixo daquilo que o ex-presidente merece. Definitivamente, incorpora-se à mentalidade brasileira a idéia de que o país tem uma aristocracia que não pode estar submetida às mesmas regras e condições do homem comum. Pela enésima vez: o petista tem o direito de se tratar onde quiser e de comprar o serviço que seu dinheiro puder pagar. Não está obrigado a recorrer ao serviço público. Mas considerar a sugestão um “ataque”? Não dá! Ou é vigarice ou é covardia.
Como diria o Apedeuta, falo isso “de cátedra”. Meu pai se tratou de câncer no SUS. Peço vênia aos petistas, ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e agora ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) — solidários com Lula contra “o ataque” que não houve —, mas eu, de fato, não considero que o ex-presidente ou os senhores políticos sejam moralmente superiores ao meu pai e estejam imunes à simples sugestão de que recorram ao serviço público de saúde.
Tenham mais respeito com o povo! Meu pai era um homem digno, ora essa! ESSA REAÇÃO OBSCURANTISTA E DISCRIMINATÓRIA SÓ NOS DIZ QUE VAI DEMORAR MUITO, TALVEZ A ETERNIDADE, PARA QUE O PAÍS SE TORNE REALMENTE UMA REPÚBLICA. Pior: no que diz respeito ao tratamento de câncer e ao SUS, as coisas se embaralham. Por quê?
Conversei com médicos da área, alguns ligados à saúde pública. Eles me dizem que, uma vez diagnosticada a doença e depois que o paciente consegue chegar a um centro de referência de combate ao câncer — seja público, seja uma fundação, seja um ente privado conveniado —, o tratamento costuma ser digno. O do meu pai foi. Não parece ter-lhe faltado nada do que era tecnicamente desejável, já lá se vão 15 anos desde o diagnóstico — infelizmente, ele morreu em 2000.
A maior dificuldade não está no tratamento, mas no fechamento do diagnóstico. Aí, sim, o calvário é grande. Marcar a primeira consulta demora uma eternidade, outra até que se consigam fazer os exames de imagem, depois há a necessidade da biópsia, e lá se vai mais um tempão… Quando o paciente finalmente chega à fase dos procedimentos, já pode ser tarde. Com o resultado da biópsia na mão — e falo daquele que foi, para todos os efeitos, o chefe do SUS por oito anos —, Lula poderia ser tratado com dignidade no sistema. Entenderam onde está o busílis? É na capilaridade do sistema.
Política
Mas eu não vim aqui para falar sobre saúde, não! O meu principal interesse continua a ser a política. Nesse particular, vivemos realmente dias excepcionais, no sentido mesmo da palavra: de exceção! Até agora, não vi ninguém com coragem de chamar as coisas por seu nome: “Olhem aqui, Lula não vai para o SUS porque aquilo não é pra ele”. Em vez disso, políticos e jornalistas preferem fantasiar.
Na Folha de ontem, o colunista Ricardo Melo fez um raciocínio realmente fabuloso. Escreve:
“Entre os que acusam Lula de falar uma coisa e de fazer outra ao tratar o câncer no hospital Sírio-Libanês, existe uma parcela imensa que simplesmente destila ódios partidários, preconceitos ideológicos e ressentimentos pessoais. Não houve pesquisa a respeito, até porque essa turma adora a sombra do anonimato. Caso tivesse acontecido, provavelmente veríamos que a grande maioria está bem de vida. No íntimo, protestam por considerar Lula representante daquela gente diferenciada destinada a definhar em macas ao relento, longe do conforto de quartos individuais.”
Ricardo Melo não só “intui” qual é o perfil das pessoas como ainda conhece o seu íntimo. É o colunista onisciente. E, nota-se, é um profundo conhecedor da alma daqueles de quem discorda. É o tipo de debate que ele, Melo, vai ganhar sempre porque, na sua imaginação, seu adversário dirá sempre uma boçalidade facilmente contestável. Quem, em sã consciência, consideraria o hoje milionário Lula um representante da “gente diferenciada destinada a definhar nas macas”? Notem: essas pessoas, que ele caracteriza como adversárias do PT, são más, são perversas, são insinceras, querem que Lula morra. Mas ele admite haver um outro grupo. Leiam.
“Mas há também quem, de forma sincera, embora confusa, externe uma frustração legítima. Muitos são eleitores que, ao votar no PT e conduzir um metalúrgico à Presidência, esperavam mudanças radicais após anos de descaso de gestões tucanas e assemelhadas diante da tragédia da saúde pública. Como qualquer cidadão civilizado, torcem pela recuperação de Lula, adoram que o ex-presidente seja bem tratado, mas se incomodam quando outros tantos são privados das mesmas atenções.”
Ah, agora entendi, Ricardo Melo. Se é um eleitor de Lula a achar que ele deve se tratar no SUS, então aí é coisa de gente sincera, bem-intencionada, embora “confusa”. Perceberam? Para Melo, não é a opinião em si que conta, mas quem a emite. Um petista que reclame de Lula no hospital de rico quer é Sírio-Libanês para todo mundo; já um antilulista quer o hospital só para si. Petistas, ou esquerdistas, têm, como a gente vê, o monopólio da bondade, da virtude e da caridade. Foi assim que a esquerda matou milhões de pessoas e ainda reivindica para si a herança do humanismo. Suas intenções sempre foram boas… Para não deixar passar: o autor fica desafiado a provar que a saúde pública, sob a gestão tucana, foi marcada por “anos de descaso”. É simplesmente mentira! Nota à margem: em seu texto, ele prefere não confrontar Lula com suas próprias palavras quando o assunto é saúde pública.
Foi ao ponto
Talvez Ricardo Melo não tenha clareza de quão esclarecedor foi seu texto. Desde o começo, eu andava desconfiado de que setores da imprensa e da vida pública estavam empenhados em deslegitimar e invalidar a opinião de amplas camadas da sociedade, como se fossem seres destituídos do direito de se expressar porque essencialmente egoístas, maus, preconceituosos. A mensagem do texto é uma só: os que estão com Lula têm o direito de criticá-lo, ainda que isso possa ser um erro. Os que não estão são apenas portadores da má fé.
São dias bicudos. A torcida pelo insucesso de qualquer doente amesquinha a alma do torcedor — e eu sei do que são capazes os feios, sujos e malvados. Fujam disso! Mas não abram mão, em razão de constrangimento de qualquer natureza, de dar uma resposta à manipulação.  Já sabemos que “eles” têm o monopólio da virtude, do bem e da caridade. No ritmo em que vão alguns oposicionistas oficialistas, logo os petistas terão também o monopólio da política. Deixemos claro a uns e a outros como pensam os homens livres. A agenda vencida dos dois grupos não interessa.
Lula pode pagar um hospital que meu pai não podia. Que colha os melhores frutos e se cure! Mas, caso viesse a se deitar na mesma cama em que meu pai deitou um dia, estaria no leito antes ocupado por um homem decente. Não lhe seria uma ofensa, mas uma honra — para quem se deixa honrar pelos honrados.
Parem de atacar o povo brasileiro, senhores colunistas e políticos da situação e da oposição! O SUS não foi feito para humilhar ninguém, especialmente o povo, que sustenta o circo.
*Texto por Reinaldo Azevedo

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