
Terão as coisas que escrevo qualquer utilidade ou funcionalidade eleitoral? Servirão à propaganda? É claro que não! Meu texto é, digamos assim, muito complicado para se prestar a este tipo de exploração. Eles sabem que não sou o correspondente oposto a seus canalhas de serviço, que se dedicam apenas ao achincalhe e à divulgação de slogans. Não ofereço facilidades aos leitores — muito pelo contrário. O que os enfurece é saber que há quem repudie, em essência, a empulhação, a mentira, a falsificação da história. Já falarei do conteúdo do programa — inclusive de seu aspecto CRIMINOSO. Antes, quero reportar um dado que é de natureza puramente estratégica. O PT decidiu antecipar o embate eleitoral e fez um programa tão dedicado a falar mal dos outros quanto a falar bem de si mesmo. O horário político existe para que os partidos falem de suas propostas, exponham, vamos dizer, o seu horizonte utópico. Nominar o adversário, como fez o PT — citando FHC e o PSDB — corresponde a fazer campanha eleitoral. Com um TSE minimamente rigoroso, o partido seria punido. Mas isso não vai acontecer. O tom foi agressivo, reativo, como se o partido que falasse ali, afinal, não fosse aquele que dizia ter praticamente inventado o Brasil. Ora, se são tão competentes, se são tão fantásticos, a que se deve todo aquele rancor? A RESPOSTA É óbvia: as pesquisas, por enquanto, são muito desfavoráveis a Dilma, e isso começa a assustar. Vamos ao conteúdo do programa propriamente. O crime:
O PT citou uma certa pesquisa segundo a qual a população brasileira considera que o governo anterior não gostava de nordestinos e de pobres. A Constituição proíbe qualquer forma de discriminação. Acusar alguém de preconceito dessa natureza — o que é obviamente falso — constitui campanha criminosa, ainda que se atribua, como covardia adicional, a suposta informação a uma pesquisa de opinião. Isso dá um pouco a medida, E ESTAMOS APENAS NO PRIMEIRO PROGRAMA ELEITORAL (e ser ele eleitoral já é, em si, uma ilegalidade), de quais são os limites do PT. E, está claro, não há limite nenhum. O que os petistas fizeram ontem foi dar a senha de que pretendem jogar sujo. Vá lá que partidos e candidatos magnifiquem a própria obra; vá lá que exagerem nas próprias qualidades; vá lá que exerçam aquele discurso de obras inaugurais… Pode não ser um jogo muito elegante, mas ainda se está dentro das regras. Acusar o adversário de preconceito contra milhões de brasileiros é atuar fora das regras. As mentiras:
Conforme os áulicos do lulismo disfarçados de jornalistas já haviam antecipado, o programa se dedicou a comparar o governo FHC com o governo Lula, que teria sido em tudo “melhor”. Já desmoralizei essa bobagem no texto de ontem. Num raciocínio puramente lógico, FHC só poderia ter-se comparado, à época, com os governos que o antecederam, não é? Mas não o fez porque esse tipo de procedimento é coisa de vigaristas intelectuais. A primeira fala do programa já anunciava a cadeia de mentiras que se seguiria: o Brasil, em 2002, segundo os petistas, era um “país que tinha tudo, mas que não tinha nada”. Nada? Santo Deus! O país havia debelado uma inflação superior a 2.500% ao ano, havia recebido investimentos bilionários em infra-estrutura e havia estabelecido os marcos essenciais para participar da economia global. MENTIRA DO PT. E à mentira conceitual seguiram-se mentiras factuais:
- o governo anterior entregara o patrimônio nacional (estatais) por uma ninharia. Mentira do PT;
- o governo anterior era servil aos estrangeiros e gostava “de se humilhar em inglês”. Mentira do PT;
- Dilma comanda o PAC com 14 mil obras em curso. Mentira do PT;
- Está em curso a construção de 1 milhão de casas. Mentira do PT;
- Com o ProUni, a universidade deixou de ser coisa de ricos. De fato, o ProUni financia a universidade ruim do pobre. A boa continua com os ricos. Mais uma mentira do PT;
- Chegou-se ao petróleo do pré-sal em razão do trabalho deste governo e de Dilma em particular.Mentira do PT. “Ah, mas a população não acha; a popularidade do presidente…” Dispensem-se os petralhas de seguir até o fim com a frase. “A convicção da maioria não torna verdadeira uma mentira”. E a canalha me odeia porque chamo a mentira de… MENTIRA! E NÃO ME IMPORTA SE A MAIORIA ACREDITA NELA. Os totalitários não entendem isso. Haver um só que divirja da verdade oficial os deixa furiosos. E somos bem mais do que um, eles sabem disso. Lula e Dilma:
O programa teve apenas dois personagens: Lula e Dilma. Ele, claro, exaltado como um Deus, a ponto de, com generosidade tipicamente lulista, ter dito a frase-símbolo do programa: “Tem gente que pensa que eu faço tudo sozinho”. Por que será? Não, ele disse, há uma equipe. E a comandante é Dilma Rousseff. Pronto! Apareceu a candidata. Não sou o telespectador médio; vi o programa com interesse profissional, jornalístico. Não me tomo como padrão. A mim me pareceu que ela não leva jeito nem com um banho publicitário: dura demais, artificial demais, travada demais. E, acima de tudo, subserviente demais! Como não tem vida própria, como se mostra ali com a destreza de uma boneca a pilha, a única coisa que lhe resta, insistem os marqueteiros, é colar a sua imagem à do presidente Lula. Num dado momento, close na atriz involuntariamente brechtiana — que deixa claro que está representando — e a fala inevitável: “Presidente, eu penso igual ao senhor (…). O Brasil melhorou, mas, como o senhor diz, é preciso avançar mais”. É ISTO: O BRASIL TEM UM SENHOR. E DILMA, ONTEM, PARECIA A SECRETÁRIA DO SENHOR, UMA DAS IRMÃS CAJAZEIRAS DE ODORICO PARAGUAÇU. A campanha de 2006 já foi suja — com a divulgação da mentira vigarista de que Alckmin, se eleito, privatizaria a Petrobras e o Banco do Brasil. Agora, mentiras em penca sobre os outros, mentiras em penca sobre si mesmo e, reitero, o flerte com o crime. Santana soube mistificar direitinho, sem dúvida, mas entendo que ainda não conseguiu mostrar a “face humana” de Dilma. Ela permanece com aquele ar da bedel arquetípica de escola. Olho para a cara dela e sempre penso que ela vai me cobrar a “carteirinha” — de porte obrigatório no colégio em que eu estudava. Duda sabia mitigar a agressividade petista e vender apenas seu lado amoroso. Mas Lula e o PT, claro, eram outros. Agora, o demiurgo, como diria Marx sobre Luis Bonaparte, “assume a sério o seu papel imperial, e sob a máscara napoleônica imagina ser o verdadeiro Napoleão (…), o bufão sério que não mais toma a história universal por uma comédia e sim a sua própria comédia pela história universal.” Concluo:
As oposições podem se preparar. Vem guerra suja por aí. Quem se dá o direito de mentir de maneira tão soberba e desavergonhada e de acusar o adversário de um grave crime que sabe que ele não cometeu será capaz de tudo numa campanha. Os petralhas certamente estão exultantes com o que viram. Gostam da idéia de seguir um líder que saiba insultar o adversário com a mesma desfaçatez com que eles insultam os seus próprios. Já disse aqui: bronco como é, Lula lhes dá a impressão de que entendem o mundo em que vivem. A parte rendida do jornalismo dirá que o programa foi bom, que teve “pegada”, que as mentiras elencadas são todas verdades irrefutáveis e que frio mesmo foi o programa do PSDB, que optou, afinal, por não atacar ninguém. Conhecemos essa gente. Querem saber? Se o PSDB fizer a coisa certa, o próprio PT lhe deu o caminho das pedras com o programa de ontem — de que gostei bastante, por razões certamente diferentes daquelas dos petralhas. Acho que Dilma exibiu com clareza os seus limites — ela fingindo mansidão soa subserviente; se não finge, só sabe ser autoritária —, e o PT disse o que pretende: dividir o Brasil e vencer a disputa incentivando o ódio, jogando brasileiros contra brasileiros, investindo no confronto. E o Brasil precisa de quem saiba e possa uni-lo. Não de mercadores do ódio. Querem saber? Eles têm método, sim, e são organizados. Mas também são mais primitivos do que imaginam.
Leia o texto original de Reinaldo Azevedo aqui
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