Mas a
presidente não desiste de nos surpreender e nos tem propiciado mais do mesmo em
seu estilo pouco sagaz e nada sutil, sem lógica e com ousadia imodesta. Há uma
semana, seu padrinho Lula lhe ocupou a agenda com oportuno jantar (à véspera de
um depoimento de cinco horas à Polícia Federal). E nele exigiu dela entusiasmo
e otimismo. A sucessora não se fez de rogada e convidou os setoristas do
palácio para um café da manhã, sob a égide de uma exibição de falsas flores do
recesso e coroado com um selfie cretino que irradia, do lado dela, um
absurdo desconhecimento da gravidade da crise e, do ângulo dos encarregados da
cobertura da Corte desapegada aos fatos, um grau similar de alheamento
brechtiano da realidade.
O pessedista
pernambucano Thales Ramalho cunhou a expressão flores do recesso para definir o
truque de políticos espertos de irem a Brasília nas férias para ocuparem tempo
e espaço – às vezes com destaque – nos meios de comunicação revelando fatos
irrelevantes que no cotidiano do quadro político não tinham como merecer
importância. Lula mandou Dilma ser irrealista, ela obedeceu e os repórteres
pareciam dizer, sem ligar a mínima para seu público, assolado por falências e
desemprego: “Se fui pobre, não me lembro”.
Os semblantes
deslumbrados de Dilma com o poder que se esvai e dos jornalistas com a
proximidade da glória efêmera e rara contrastam com as notícias da planície,
que são de fazer chorar. No congraçamento pré-carnavalesco em pleno recesso da
recessão, a presidente festejou vitórias eventuais e inconsistentes no processo
do impeachment. Mas, entrementes, o anúncio da inflação de 10,67% em 2015, a
mais alta desde 2002, é a pior de uma série de notícias ruins, como o retorno
de 3,7 milhões de pobres da classe C às classes D e E. E desolador é que, no
“país do futuro” (apud Stefan Zweig), o desemprego de patrícios entre 15 e
24 anos deve ter sido de 15,5% em 2015 – maior do que a média mundial no ano,
de 13,1% .
A maior
novidade contada por ela agrada a pouquíssimos: deverá reunir-se no café com
setoristas em 2017, porque o profeta Lula de Caetés, o vice Temer, que se
refestela no poder à sombra, e Madre Marina acham que o impeachment morreu, mas
não foi enterrado. As exéquias são previstas para depois do carnaval, época em
que a Quarta-Feira de Cinzas terá ares de terça-feira gorda. Ao menos nos
salões do palácio onde o escárnio vira orgia do acinte a desafiar cidadania e
República, corroídas pelos ratos.
Ninguém achou
um só deslize que ponha sob suspeita sua honra pessoal – repete Dilma. Não lhe
falem no rombo das propinas da Petrobras, na capivara de sua protegida Erenice
Guerra nem nas dúvidas sobre o comportamento do fiel Walter Cardeal, diretor da
Eletrobras. Para limpar as fichas dos espíritos santos de orelha Jaques Wagner
e Edinho Silva madama conta com o pretexto do “vazamento seletivo”, agora
comprometido pelo destaque à citação de Fernando Henrique na delação de
Cerveró. E com o beneplácito alugado do baixíssimo clero (nas profundezas de
pré-sal) da Câmara, liderado por Leonardo Picciani. Só não dá mais é para
soltar o líder Delcídio “do” Amaral.
Palavras
impressas em papel não têm como ser fiéis a mais uma confissão de probidade
feita pela presidente naquele repasto. A frase “tenho clareza de que tenho sido
virada dos avessos” é um exemplo cabal da desconexão entre seu discurso e os
dicionários existentes. Quantos e quais são os avessos de Dilma? Terá ela mais
de um avesso (o lado oposto ao dianteiro) ou quis dizer às avessas (ao revés)?
É impossível
adivinhar onde encontrou o plural de uma palavra singular para se eximir da evidência
de que deixou tanta gente roubar tanto sem nunca ter percebido. Não dá para
entender tal sentido oculto na leitura, ainda que atenta. Para isso há que
assistir às pausas súbitas, às sílabas atropeladas e aos aflitos apelos à
compreensão dos interlocutores. E isso só é possível vendo-a e ouvindo-a na
televisão. O jeito de dizer a frase sem nexo importa mais do que a falta de
nexo de sua fala. Pois denota o cansaço desesperado que Dilma expõe ao repetir
infindas vezes algo que considera óbvio, mas não consegue comprovar e assim
convencer quem tente, sempre em vão, ouvi-la e entendê-la. Da outra ponta da
linha, assediado de todos os lados pela crise, o pobre brasileiro só pode ficar
mais exausto e mais desesperado do que ela própria.
Dilma disse ainda que ninguém devia aposentar-se aos 55
anos. “Nós estamos morrendo menos. E os jovens estão nascendo mais”,
justificou-se. Estas patacoadas estão à altura da transmissão da tríplice
epidemia pelo ovo do mosquito, da glorificação da mandioca e da sagração da mulher
sapiens. Não querem dizer nada e nada indicam. São somente novas pérolas da
língua particular de Sua Excelência, tratada comme il faut por Celso
Arnaldo Araújo no livro O Dilmês. Criará um
ministério para traduzi-la?
Após ouvir que
a CPMF é um problema de saúde pública, o contribuinte a ser assaltado entende
perfeitamente que terá de pagar pelo 2016 feliz que Dilma se almeja. Pois sabe
que só lhe restará pagar a conta de um problema de saúde pública sem jeito: o
desgoverno dela.
*José Nêumanne Pinto, via http://veja.abril.com.br/
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