domingo, 21 de junho de 2015

Cercados pela intolerância.

Comitiva de senadores brasileiros é recebida com violência na Venezuela e reação tímida de Dilma revela a velha conivência petista com a escalada ditatorial do governo Maduro.

Sérgio Pardellas

Entre os legados herdados pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do antecessor e líder inspirador, Hugo Chávez, certamente o mais deletério deles tenha sido o fim da independência das instituições. Hoje, graças a essa herança perversa, observa-se no País a consolidação da uma nova oligarquia ditatorial comandada por um mandatário centralizador cujo poder se pretende absoluto. Apesar das evidências em contrário, como o cerco e a prisão de opositores ao governo, não raro com o uso de inclemente violência pela polícia oficial, os chavistas fiéis seguidores de Maduro insistem em chamar o regime a que os venezuelanos estão submetidos de democrático.

Na quinta-feira 18, uma comitiva de oito senadores brasileiros desembarcou em Caracas para tentar reconhecer a democracia que Maduro e partidários dizem haver no País. Foram impedidos e testemunharam – não propriamente para a surpresa deles – o inverso do apregoado pelos partidários do presidente venezuelano. Num episódio que pode ser classificado como grave incidente diplomático, o governo de Maduro escancarou a sua veia totalitária. A missão oficial brasileira tinha como objetivo verificar a situação de presos políticos do País, mas ao desembarcar em Caracas os senadores foram recepcionados com violência por dezenas de manifestantes locais, que se aproveitaram do fechamento do trânsito pela polícia de Maduro para fazer um cerco ao ônibus destinado a transportar as autoridades. Insandecidos, gritaram: “Fora, Fora. Chávez não morreu, se multiplicou”. Bateram na lataria do veículo onde se encontravam, além dos senadores, as mulheres de políticos da oposição a Maduro. “Não conseguimos sair do aeroporto. Sitiaram o nosso ônibus, bateram, tentaram quebrá-lo”, contou Ronaldo Caiado, do DEM. “A manifestação foi feita obviamente a serviço do governo venezuelano e colocou em risco a vida dos senadores brasileiros”, fez coro o presidente do PSDB, senador Aécio Neves. Diante da hostilidade, o ônibus regressou ao aeroporto e encontrou o terminal fechado. Ao tentar seguir novamente em direção ao presídio Ramos Verde, em Caracas, onde se encontra Leopoldo Lopez, líder do partido oposicionista Vontade Popular, os brasileiros perceberam que a via permanecia bloqueada. Sitiados, os parlamentares decidiram, então, voltar para casa. Não sem protestos. “Está claríssimo que nos colocaram numa arapuca. Liberaram o avião, mas trancaram o aeroporto”, disse o senador Agripino Maia, presidente do DEM.



O governo venezuelano atribuiu o tráfego intenso à transferência de um preso político, coincidentemente, no exato momento do desembarque da comitiva de senadores em Caracas. Tratou-se de mais uma desculpa esfarrapada apresentada pelos asseclas de Maduro. Em entrevista ao correspondente do jornal Folha de S.Paulo na capital venezuelana, um dos agentes da Polícia Nacional Bolivariana reconheceu haver uma ação orquestrada para impedir a passagem das autoridades brasileiras. “É evidente que é uma sabotagem. Quando vem uma autoridade estrangeira, nós os escoltamos em fluxo, contrafluxo ou em qualquer circunstância”, afirmou, pedindo para não ser identificado, por temer retaliações. O governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, responsabilizou Maduro pelo cerco ao ônibus com parlamentares do Brasil. “Que vergonha bloquear a passagem de senadores brasileiros, Maduro”, escreveu Capriles no twitter.
Pressionada por Aécio, pelo presidente da Comissão de Relações Exeriores do Senado, Aloysio Nunes Ferreira, e pelos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a presidente Dilma Rousseff não teve outra alternativa senão chamar o chanceler, Mauro Vieira, para prestar explicações. Na sequência, o Itamaraty lamentou em nota as ações hostis e prometeu cobrar esclarecimentos do governo venezuelano. A reação, como já era esperado, revelou-se tímida. Em graves situações diplomáticas como as vivenciadas na quinta-feira 18, esperava-se da presidente uma atuação mais enérgica. O mínimo que poderia ser feito era o pedido imediato do retorno do embaixador brasileiro na Venezuela. Mas a medida não era sequer cogitada no Planalto até o fechamento desta edição. Na realidade, o governo Dilma tem demonstrado, não é de hoje, conivência com a ascensão ditatorial na Venezuela. Mais do que isso. Há duas semanas, o ex-presidente Lula recebeu o segundo homem do regime chavista, Diosdado Cabello, na sede do Instituto Lula. Presidente da Assembleia Nacional, Cabello é investigado nos EUA por tráfico de drogas, além de ser conhecido pela brutalidade no trato com adversários políticos. Também há duas semanas, durante reuniões da Cúpula de Países da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos e da União Europeia, na Bélgica, Dilma repudiou eventuais sanções ao governo Maduro.

*Foto: CARLOS BECERRA/AFP 

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