sábado, 21 de março de 2015

O preço do poder não é a perda da honra e dignidade.

Getúlio Vargas foi a mais singular das personalidades históricas da vida política do Brasil. Singular e complexa, múltipla e polivalente. Não era apenas um ser humano, muito menos um homem apenas convencional, com seus defeitos e suas qualidades, que às vezes oscilam entre a grandeza e a mediocridade.
Visceralmente retilíneo nas suas crenças e convicções, em seus passos pelo mundo fez profundo e devastador pacto com a vida e a morte, que o guiou até aos extremos a que permaneceu fiel até o último momento, sereno e pacificado, creio eu. Assim ilustrou, com o autoextermínio, que a morte não lhe significava nenhum sacrifício senão o ato redentor da dignidade, que lhe restituía a honra arrancada, elevando-o para a eternidade.
Não lhe exprimia apenas a perda da vida, cujo valor não aferia por critérios puramente humanos; a vitória sobre a morte, de que falou o apóstolo Paulo, era, enfim, o triunfo final e definitivo sobre as misérias humanas, das quais nada mais sobrava, antes reafirmava a divindade e a autonomia do ser humano, pacificando-lhe as atribulações terrenas, que ficavam para trás e lhe permitiam traçar novos caminhos.
Imagino que Getúlio tinha da vida a certeza do seu papel de mera passagem para a morte. Esta, enfim, cuidava de curar as ofensas e os desenganos. Quando tardava ou não chegava, o suicídio era a decisão mais nobre para libertar o homem e restituir-lhe a autonomia recebida no Éden, assim transformando-se em exclusivo árbitro do destino, da derrota ou da glória.
A SUA CRUZ
Registros históricos testemunham essa crença de Getúlio, em documentos legados à posteridade, deitados ao papel em momentos de perigos de desonra. Essa era a sua cruz, o suicídio lhe era a glorificação eterna, que só dependia dele.
Senhores altíssimos dirigentes do nosso país: este artigo se exime de qualquer alusão a Vossas Excelências por um único e decisivo motivo: respeito a individualidade das pessoas, sejam quais forem as funções que exerçam, por mais altas que sejam, assim como as do trabalhador mais humilde. O brando norte assopra em minha vida aquele lindo verso do poeta d. Marcos Barbosa: “Varredor que varres a rua/ varres o reino de Deus”.
Creio em Deus, não faço qualquer apologia do suicídio. Comecei este artigo citando Getúlio Vargas – de quem Vossas Excelências talvez estejam a uma distância sideral – porque o admiro como homem público e estadista. Isso não quer dizer apoio aos seus longos anos de governo, embora o aplauda por medidas pontuais mais profundas.
Todavia, seu notável sentimento de honra e dignidade é luz e clarão para os brasileiros. Tomo a liberdade de clamá-los por inspirar-se nele. Repito, não falo de suicídio, mas de inspiração na honra e na dignidade. Não raro, a renúncia gera a glória de resgatá-las. O tempo é caprichoso e curto.
Ouçam os sussurros da nação, enquanto o fio d’água está luzindo o seu murmúrio. Não permitam que a sua mansa água se transborde pela força das tempestades. Não faltem com os compatriotas na hora trepidante.
*Márcio Garcia Vilela, em O Tempo
*Via Ana Lima, por Facebook

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