O “rouba, mas faz” não é coisa nova na política brasileira.
É evidente que a síntese perversa já dava conta da nossa desdita. A conjunção adversativa “mas” indicava que, embora o “roubar” estivesse sendo incorporado aos hábitos e costumes da vida pública — o que é um desastre, é evidente —, estava em oposição ao “fazer”, que era a coisa desejável e a razão por que se elegiam os políticos.
Permanecia, ao menos, nas consciências o conceito de que “fazer” era o certo, e “roubar”, o errado.
Postos em relação transitiva, no entanto, a fórmula era uma condenação: a condição do “fazer” era o “roubar”, sem o segundo, entendia-se, não se podia realizar o primeiro.
Que país poderia ser construído tendo tal emblema como norte?
Este que vemos, em que um ministro da Educação se jacta de a nota média do Enem ter melhorado ridículos 10 pontos, embora a esmagadora maioria das escolas públicas tenha ficado abaixo de uma média que já é retrato de um vexame.
Havia quem se opusesse radicalmente àquele estado de coisas?
Havia quem se opusesse radicalmente àquele estado de coisas?
Sim, as esquerdas, ambicionavam substituir o modelo cleptocrata de exclusão social por sua teoria homicida da história. Nunca foi grande ou forte o bastante para se impor, e por isso devemos ser gratos, é certo.
A redemocratização do país e a emergência do novo sindicalismo, no curso do tempo, acabaram por guindar o PT e seu chefe máximo, Luiz Inácio Lula da Silva — que, originalmente, de esquerdista não tinha nem a sabedoria nem a ignorância específicas —, ao comando das chamadas “forças populares”.
Os petistas passaram a operar em duas frentes (e há teoria política a respeito; não foi puro empirismo): nos chamados movimentos de base e no terreno institucional, onde criou um bordão: “Ética na política”.
Aéticas ou antiéticas eram todas as forças que disputavam o poder, menos uma, que se apresentava como dotada de uma razão crítica que carregava consigo a voz e a história dos oprimidos de todos os tempos. O mundo já havia conhecido, segundo a categorização marxista, o “socialismo utópico” e o “socialismo científico”.
O PT fundava o “socialismo da reparação”.
Em Marx, o socialismo era uma desdobramento natural da história (é uma loucura, é evidente, mas é outra); no discurso petista, tornava-se uma questão de justiça.
Se o velho barbudo furunculoso fosse vivo, daria uma botinada no traseiro desses mistificadores.
Mas quê…
O PT se tornou não o ópio, que isso é coisa para humor refinado francês, mas a cachaça dos intelectuais. Marilena Chaui não conseguiu ensinar uma vírgula de filosofia aos sindicalistas, mas os sindicalistas ensinaram a Marilena Chaui como tratar a USP como um mero aparelho partidário.
O PT chegou ao poder.
É esquerdista?
Depende do que se quer perguntar.
O partido certamente não pretende estatizar os meios de produção. Mas traz, sim, consigo aquela velha moral bolchevique, somada à amoralidade pragmática que marca o sindicalismo, que se caracteriza por justificar qualquer crime em nome da causa.
“O rouba, mas faz” envelheceu; os remanescentes daquele modelo já estão se despedindo da política.
Na nova ordem, desaparece a conjunção adversativa “mas” e a idéia de que, ao menos, há uma oposição entre uma coisa e outra; que mal e bem estão imbricados ou enlaçados numa relação de causa e efeito.
Era, reitero, uma noção perversa e que nos condenava ao atraso, mas, se querem saber, menos maléfica do que isso que se vê hoje em dia: o roubo passou a ser considerado uma espécie de pilar da democracia, de elemento constitutivo do processo. Em seu nome, constroem-se teorias políticas.
Uma palavra passou a sintetizar essa nova altitude que ganhou a safadeza: “governabilidade”.
Em nome dela, tudo passa a ser justificável. O imoral, o indecente e o indecoroso já não são mais o tributo maldito a pagar para ver a obra nascer; eles são tratados como esteios da institucionalidade.
Dá-se de barato que é preciso ceder a larápios, a chantagistas, a vigaristas para que o sistema não entre em colapso. Um jornalista brasileiro, durante o confronto democrático que opôs republicanos e democratas nos EUA por causa da ampliação do limite da dívida, ofereceu aos americanos o nosso modelo: faltaria, ele escreveu, um PMDB a Obama!!!
Na entrevista que concedeu ao Fantástico — aquela em que pediu a Patrícia Poeta lhe mostrasse onde estava o “dá cá” que ela explicaria o “toma lá” —, Dilma Rousseff expressou essa noção com a maior tranqüilidade, como quem dissesse:
“Hoje é quinta-feira”.
Afirmou a presidente: “Eu não dei nada pra ninguém que eu não quisesse; nós montamos um governo de composição. Caso ele não seja um governo de composição, nós não conseguimos governar”.
Aí está!
A pergunta de Patrícia Poeta se referia ao “toma-lá-dá-cá”, que Dilma se dispôs a explicar — é falso que ela tenha negado a sua existência.
“Não conseguir governar” significa o quê?
Que as práticas condenáveis seriam hoje pilares das próprias instituições.
Minhas caras e meus caros, é evidente que isso é pior do que o “rouba, mas faz” porque significa a metabolização da lambança como nutriente mesmo da democracia.
E eu sou obrigado a dizer com todas as letras: “Isso é falso!”.
Estamos diante de uma apropriação perversa — que não é feita só por Dilma, não!; está no sistema — do conceito de “presidencialismo de coalizão”.
Uma coisa é constatar que, no modelo brasileiro, um partido dificilmente terá força para governar sozinho — o que não quer dizer que não possa hegemonizar o processo, como faz o PT —; outra, distinta, é atribuir a essa necessidade de composição as concessões indecorosas que são feitas.
Indago: qual é a hipótese?
Os partidos que hoje compõem a base aliada, incluindo o PT, se despediriam dos cargos e das benesses oferecidas pela máquina caso se decidisse moralizar a política pra valer?
ISSO É SIMPLESMENTE MENTIROSO.
O problema é outro: aqueles que vêm a lambança como parte do jogo não são meros teóricos do ilícito; são também beneficiários e usuários das práticas condenáveis.
Sim, eis uma contribuição genuinamente petista para o processo político brasileiro: a imoralidade como parte da estabilidade das instituições — instituições também elas aviltadas.
Sei que pouca gente dará bola à questão porque os políticos, os pensadores e boa parte da imprensa estão entorpecidos, mas a ministra Gleisi Hoffmann disse ontem uma coisa muito grave naquele seminário com título pseudo do TCU.
Chamou o RDC, o regime especial para contratar obras para a Copa do Mundo, de “lei alternativa” à Lei de Licitações.
Regime democrático com “lei alternativa”?
Definitivamente, nunca antes na história destepaiz.
Esse país não sai do lugar, não! Esse país é o do Enem que encheu de satisfação o ministro Fernando Haddad. O bom Brasil é outro.
É o da juíza Louise Vilela Figueiras Borer, que mandou parar as obras sem licitação do Aeroporto de Cumbica.
Não aceitou as justificativas para que se desse um peteleco na lei: urgência e Copa do Mundo.
Ora, Dilma foi a gerentona de um outro “governo de composição”, o de Luiz Inácio Lula da Silva.
Ambos, então, como ela reconheceu no 4º Congresso do PT, prepararam, a quatro mãos, a trágica herança na infra-estrutura: portos, aeroportos, estradas…
E o PT vem coroar, agora, a sua obra jogando no lixo a Lei de Licitações e propondo, como diria Gleisi, “leis alternativas”?
Esse roubo consegue ser pior do que o outro: é um roubo de institucionalidade.
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