Documentos
obtidos com exclusividade por ISTOÉ mostram que supostos serviços prestados
pela gráfica "fantasma" VTPB teriam sido bancados com dinheiro
desviado da Petrobras para a UTC.
No último dia
29, o ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
tomou uma decisão que pode agravar a situação da presidente Dilma Rousseff,
hoje emparedada por uma crise político-administrativa que se aprofunda a cada
dia. O ministro enviou um ofício à Polícia Federal solicitando a apuração de
diversas irregularidades nas contas da campanha à reeleição. A diligência
levará a PF a entrar nas investigações contra a presidente. No documento, ao
qual ISTOÉ teve acesso, Mendes pediu atenção especial à Focal Comunicação
Visual. A empresa recebeu R$ 24 milhões na campanha. Envolvida também no
escândalo do mensalão, a Focal foi contratada para montar os comícios da
candidata nas eleições de 2014. No bojo da investigação da PF também está a
VTPB, a “gráfica fantasma”, uma espécie de escritório virtual que recebeu quase
R$ 23 milhões da campanha de Dilma para intermediar a contratação de serviços
de impressão de santinhos. Na documentação enviada por Mendes foi anexado
ofício de caráter sigiloso contendo os achados de um relatório de inteligência
elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a respeito
da VTPB. A existência de comunicações de movimentação atípica pode indicar
crime de lavagem de dinheiro. A iniciativa de Gilmar abre mais um flanco para
um possível afastamento da presidente Dilma. Embora já haja um processo em
curso no TSE destinado a apurar irregularidades na campanha, a entrada da PF na
investigação pode agregar novos elementos ao caso.
Caberá à PF avaliar
se há indícios suficientes para abrir um inquérito. Seja como for, o imbróglio
envolvendo a prestação de contas de Dilma já extrapolou os limites da Justiça
Eleitoral e pode levar seus envolvidos ao banco dos réus da Justiça comum. Como
revelou ISTOÉ em sua edição de 15 de maio, parte dos serviços da VTPB teria
sido bancada com dinheiro sujo, desviado da Petrobras para o caixa da UTC
Engenharia, de Ricardo Pessoa. Agora surgem novos fatos. Pessoa confirmou em
delação premiada ter doado à campanha de Dilma, por pressão do então tesoureiro
Edinho Silva, um total de R$ 7,5 milhões. O dinheiro teria origem no Petrolão.
O primeiro depósito ocorreu em 5 de agosto, segundo os extratos de
transferências bancárias. No mesmo dia, Edinho transferiu R$ 5 milhões para a
conta da Polis Propaganda e Marketing, empresa do marqueteiro João Santana – o
valor exato foi de R$ 4,69 milhões, descontados os impostos. A segunda doação
da UTC foi feita no dia 27 do mesmo mês. Com dinheiro em caixa, o tesoureiro
fez uma série de pagamentos. Entre eles, quatro depósitos na conta da VTPB num
total R$ 1,7 milhão. Outros R$ 672,6 mil abasteceram a Focal Comunicação. As
duas empresas são suspeitas de servir para lavagem de dinheiro. Santana recebeu
da campanha de Dilma um total de R$ 70 milhões e, em tese, não tem
responsabilidade pela origem do dinheiro. O mesmo vale para a VTPB e a Focal,
desde que provem que prestaram integralmente os serviços contratados. Em todo
caso, cabe ao ex-tesoureiro Edinho Silva e à própria Dilma responderem às
suspeitas sobre a origem ilícita das doações. Ambos negam veementemente as
afirmações do dono da UTC. As empresas VTPB e Focal garantem que prestaram os
serviços e negam qualquer irregularidade.
Para um
integrante da força-tarefa da Lava-Jato, a descoberta de que o dinheiro sujo
entrou na campanha petista e saiu de lá no mesmo dia para pagar fornecedores
suspeitos pode complicar a situação de Dilma. “Não há mais dúvidas de que os
recursos desviados da Petrobras percorreram um caminho sinuoso que passa pelas
empreiteiras e deságua nas contas dos fornecedores”, diz o procurador. Segunda
empresa que mais recebeu recursos da campanha de Dilma, atrás apenas da Polis
Propaganda, a Focal está em nome de um motorista e da filha de Carlos
Cortegoso, o verdadeiro proprietário. Em 2005, a empresa foi apontada pelo
publicitário Marcos Valério como destinatária de recursos do mensalão.
PROCESSO CONTRA ANDRÉS SANCHEZ NO STF
RESPINGA NAS CONTAS DA PRESIDENTE
Outra transação
feita por Edinho, no mesmo dia das transferências para VTPB e Focal, envolveu a
realização de oito pagamentos num total de R$ 1,83 milhão à “Rede Seg Gráfica e
Editora Eireli”, uma empresa individual que funciona numa pequena sala de um
sobrado vazio, no bairro Veleiros, zona sul de São Paulo. Essa suposta gráfica,
que como a VTPB não possui maquinário, recebeu ao todo mais de R$ 6,15 milhões,
valor superior ao limite legal permitido para esse tipo de pessoa jurídica. Ela
está em nome de Vivaldo Silva, beneficiário de verba da cota parlamentar do
deputado Vicente Cândido (PT/SP), parlamentar muito ligado a Edinho Silva.
No material
encaminhado por Gilmar à PF há ainda indícios de emissão de notas fiscais frias
e ocultação de despesas. A análise das notas registradas no site do TSE indicam
inconsistências, duplicação de valores e interrupção na sequência de notas
emitidas. A Focal, por exemplo, emitiu duas notas fiscais sob o mesmo número
1303 para campanhas diferentes: de R$ 143,1 mil para a campanha de Dilma e de
R$ 432 para a campanha do deputado Vicentinho (PT-SP). No caso da VTPB os
problemas são mais flagrantes. A empresa diz que encomendou à gráfica
Ultraprint quase a totalidade do material de propaganda para a reeleição.
Ocorre que a Ultraprint também foi contratada diretamente pela campanha, o que levanta
dúvidas sobre a necessidade de se pagar um intermediário.
Uma outra
análise das notas fiscais emitidas pela VTPB reforça a impressão da existência
de irregularidades. As séries das notas fiscais não são contínuas e há dezenas
de notas faltando. Além disso, quando as notas anexadas ao processo de
prestação de contas são cotejadas com as registradas eletronicamente no TSE,
observa-se contradições importantes. Em 22 de agosto, por exemplo, a VTPB
emitiu duas notas fiscais (nº 492 e nº 506) de R$ 667,8 mil cada. No processo
físico, porém, não existe a nota 506.
A FOCAL E A VTPB SÃO SUSPEITAS DE LAVAREM
DINHEIRO PARA A CAMPANHA DE DILMA
Não bastassem as
frentes de investigação já existentes contra Dilma, em outro processo em
tramitação no Supremo Tribunal Federal as contas de campanha da presidente
poderão ser devassadas. Trata-se da ação que investiga o deputado federal
Andrés Sanchez (PT-SP). Ex-presidente do Corinthians, Sanchez é acusado de
falsificar sua declaração de bens à Justiça Eleitoral e a prestação de contas.
Ele responde ainda por crime contra a ordem tributária. No dia em que Mendes
emitiu seu ofício à PF no TSE, o ministro do Supremo Luiz Fux, que está com o
caso de Sanchez, autorizou diligências solicitadas pelo procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, ante os “indícios da prática delituosa”.
Tanto a campanha
de Dilma como a de Sanchez abasteceram outra empresa suspeita, a Dialógica
Comunicação e Marketing, de Keffin Gracher, auxiliar de confiança de Edinho
Silva. Gracher acompanha o petista há anos, integrou seu gabinete na Assembleia
Legislativa de São Paulo e foi nomeado há poucas semanas como assessor especial
do ministro, no Palácio do Planato. A Dialógica foi criada em 2013 e encerrou
suas atividades no dia 30 de junho. No ano passado, ela recebeu quase R$ 1,5
milhão de campanhas petistas, sendo que mais de R$ 420 mil foram pagos pelo
próprio Edinho ao assessor. A Dialógica funcionou numa sala comercial em
Araraquara, berço político de Edinho. Gracher ainda é proprietário da 2K Comunicação,
também contratada por Sanchez.
*Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
Fotos: Montagem
sobre foto de Pedro Ladeira/Folhapress, STF/Divulgação; EVELSON DE FREITAS/
Agência Estado; Marcelo Camargo/Agência Brasil
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