Com certeza, tipo assim...
Em tempos de acordo ortográfico, ficamos um pouco mais atentos às coisas da Inculta & Bela. Durante as férias,esse curto período, Reinaldo Azevedo conviveu com mais humanos do que nos outros quase 360 dias de 2008. “E achou o quê?” Huuummm... Mas e a Inculta & Bela?Pois é...
O que aconteceu com o velho e tradicional “sim”? Está em processo de extinção como resposta a uma pergunta direta. O “sim”, agora, é “com certeza”.— E aí? A praia tá boa?— Com certeza!— Vai um sorvete aí?— Com certeza!O antigo “sim” tinha lá as suas variantes de ênfase, que indicavam certa riqueza da língua, também melódica, né? Para um “sim” que quisesse indicar obviedade, coisa ululante mesmo, podia-se recorrer ao “Claro!”— Vai ver a queima de fogos na praia?— Claro!E esse “claro” queria dizer que a pergunta embutia uma suposição fora das possibilidades, a saber: “Não, prefiro ficar no quarto”. O “claro!” era pronunciado com um certo alongamento da vogal tônica, indicando aquele “quê” improcedente da indagação.Acabou! Agora, o sim virou um anódino “com certeza”, que, corrijo-me, deve ser escrito sem exclamação. Está sujeito, no máximo, aos sotaques. Um carioca diz o seu “com certeza” com aquele “r” arrastado, introduzindo uma vogal ente o “e” e o “i” ali nos arredores da segunda sílaba. O paulistano vai com o seu “r” curtinho, língua vibrando rápida e quase distraída no palato. Os paulistas das outras cidades conseguem enfiar um “i” nas cercanias do “r”. Só o que não varia é a chatice: "Com certeza..."Diz-me um amigo que a culpa é da jornalista Leda Nagle, quando ainda na Globo. Teria dado início ao que acabou se transformando num vício de linguagem. Não sei. Só sei que é uma das coisas mais irritantes da fala dos brasileiros, superado apenas pelo “tipo assim” — ou simplesmente “tipo”. Essa praga se espalha mais entre adolescentes, mas já saltou o muro da idade.— Você comprou um carro sedã?— Não! É tipo assim SUV, mas não é bem...— Uma minivan?— Com certeza.O “tipo assim” é especialmente perverso e tem de ser combatido com energia pelos professores porque não se contenta apenas em empobrecer a língua. Também é um atentado terrorista ao pensamento. O falante se dispensa de dizer com clareza o que quer. O “tipo” remete a uma versão aproximada, e a imaginação do interlocutor se encarrega do resto.E isso me lembra uma terceira praga: as pessoas que falam fazendo aspas no ar, com a ponta dos dedos, como a nos dizer que aquelas palavras têm um outro significado — vale dizer, ele fala algo “tipo assim”, mas não exatamente, entenderam?
— Com certeza, Tio Rei!
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