Na manhã de
sexta-feira (29), quando subiram pelas escadas do Bloco B da 114 Sul em
Brasília, rumo ao confortável apartamento no 4º andar, os agentes daPolícia
Federal sabiam que adentrariam um endereço que guarda alguns dos
maiores segredos da República. O apartamento é uma espécie de sede paralela doPalácio
das Mangabeiras, residência oficial do petista Fernando
Pimentel, governador de Minas Gerais. Está
registrado em nome da mulher dele, a jornalista Carolina de Oliveira
Pereira (na foto acima com o marido). Durante o primeiro
mandato da presidente Dilma Rousseff, quando era o poderosoministro
do Desenvolvimento e Comércio Exterior, Pimentel e sua então namorada
Carolina promoviam jantares discretos com políticos, empresários e lobistas,
segundo fontes que participavam desses convescotes. A sala ampla acomodava
bonitos quadros e uma mesa de jantar para oito pessoas. Uma empregada com
uniforme servia sorrisos e boas bebidas. Falava-se muito de negócios,
especialmente no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES.
Pimentel era presidente do Conselho de Administração do banco. Pimentel morava
no apartamento. Guardava suas coisas lá. Agora, os agentes da PF recolheriam,
com ordem judicial, o que houvesse no imóvel: dinheiro, computadores, pen
drives, papéis.
Ainda no
começo do dia, também em Brasília, os agentes estiveram na sede daOli Comunicação
e Imagem, empresa que pertence a Carolina. A operação da PF, batizada
de Acrônimo, investiga um esquema de lavagem de dinheiro desviado
de contratos com o governo federal. A PF estava na rua – e nos bons
apartamentos de Brasília e de outras cidades – para buscar mais provas do
esquema. Entre os alvos, além da primeira-dama de Minas, brilhava um empresário
que participou da campanha de Pimentel e da primeira eleição da presidente
Dilma Rousseff, em 2010: o empresário Benedito Oliveira, o Bené.
ÉPOCA obteve acesso ao inquérito da operação. De acordo com o Ministério
Público Federal, que fundamentou os pedidos de busca e apreensão em 90
endereços, a Oli “seria uma empresa fantasma, possivelmente utilizada para os
fins da ORCRIM (organização criminosa) com a conivência de sua proprietária
Carolina de Oliveira Pereira” (leia abaixo).
Eis, acima, o "Bené". Benedito de Oliveira é amigo do casal Pimentel e Carolina.
A página da reportagem de ÉPOCA, publicada em novembro, que alavancou a
operação da Polícia Federal, e o empresário Benedito Oliveira, amigo do casal
Carolina Oliveira e Fernando Pimentel, (Foto: Reprodução)
Foi
exatamente o que revelou ÉPOCA em novembro passado, numa reportagem. Nela, a
revista, com base em entrevistas com a turma de Pimentel e documentos
sigilosos, demonstrava que a empresa de
Carolina era fantasma. Mostrava também que a ascensão
financeira de Bené, dono de gráficas e empresas de eventos com contratos no
governo petista, coincidiu com a ascensão política de Pimentel.
Bené até indicara assessores e um secretário do Ministério do Desenvolvimento.
E fora o dínamo da campanha de Pimentel ao governo de Minas.
A
reportagem de ÉPOCA alavancou uma investigação da PF sobre Bené, que começara
no mês anterior. Durante a eleição, ele fora detido no aeroporto de
Brasília, num King Air de sua propriedade, com R$ 116 mil.
Vinha de Minas. Não esclareceu a origem do dinheiro. Como se revelou na
reportagem, o prefixo do avião (PR-PEG) trazia as iniciais dos filhos de Bené –
daí “Acrônimo”, o nome da operação da PF. De acordo com a investigação que se
seguiu, culminando com as batidas na sexta-feira, Bené era o cabeça do esquema.
Foi preso, assim como o publicitário Victor Nicolato, parceiro
dele, que ajudou a coordenar a campanha de Pimentel no ano
passado.
O
esquema de Bené, segundo as investigações, não era sofisticado. Ele conseguia contratos
superfaturados com o governo do PT, valendo-se de sua influência junto a
próceres do partido, lavava o dinheiro por meio de uma vasta rede de empresas –
e, após embolsar sua parte, repassava o butim para sua turma. Nas palavras da
PF, o amigo de Pimentel “seria o operador de organização criminosa
estruturalmente ordenada e com clara divisão de tarefas, a qual teria por
atividade o desvio de recursos públicos, por meio de contratos não executados
e/ou superfaturados com entes federais, mormente no setor de eventos e gráfico,
e a posterior lavagem desses recursos, utilizando para tanto diversas empresas,
com abuso da personalidade jurídica e confusão patrimonial, inclusive com
interposição de pessoas”.
Documento acima demonstra a relação entre as duas "consultorias"
ÉPOCA
obteve um documento, já em poder da PF, que mostra que a investigação esbarrará
em outra personagem que também orbitou a campanha e a convivência de Dilma:
a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra. Em maio do ano passado,
Erenice acertou um contrato de sociedade com a Brasil Século III, de
Virgílio Guimarães – era por meio dessa empresa, segundo a
investigação, que o petista recebia dinheiro do esquema de Bené. De acordo com
a PF, o ex-deputado petista, cuja biografia se notabilizou por ter sido o
agente que promoveu o encontro do publicitário Marcos Valério,
preso como operador do mensalão, com o PT, era destinatário do “envio frequente
de recursos financeiros de Benedito” em benefício próprio e “outras pessoas
indicadas”. O contrato entre Erenice e Virgílio visava “promover o
desenvolvimento sustentável e competitivo” da FBM Farma, uma indústria
farmacêutica pertencente ao grupo Hospfar Indústria e Comércio de Produtos
Hospitalares, que mantém em 2015 contratos de R$ 10,6 milhões com
o governo federal. Em 2014, a empresa recebeu R$ 61,4 milhões dos
cofres públicos, o dobro do ano anterior. A companhia, que já foi alvo de
investigação do Tribunal de Contas da União, contratou Erenice Guerra para
advogar em seu favor.
A
polícia federal cita Virgílio Guimarães como beneficiário do esquema de
Benedito Oliveira. Um contrato de consultoria entre Erenice Guerra e Virgílio mostra
a conexão com Bené (Foto: Celso Junior/Estadão Conteúdo e José Varella/CB/D.A
Press e reprodução )
Acima documento da empresa Fantasma da esposa do Governador Pimentel.
A
relação próspera entre Bené e o PT resultou numa multiplicação extraordinária
da fortuna do empresário. De 2005 para cá, o faturamento de seu grupo formado
por cerca de 30 empresas passou de R$ 400 mil para R$ 500 milhões.
Esse salto gigantesco foi impulsionado graças a contratos superfaturados
fechados com órgãos públicos, segundo a Polícia Federal. As empresas de Bené
possuíam contratos de centenas de milhões de reais com os ministérios das
Cidades, da Educação e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, entre
outros. A Gráfica e Editora Brasil, controlada pela família de Bené, recebeu R$
294,2 milhões entre 2004 e 2014. Quase um terço desse valor foi desembolsado
pelo Ministério da Saúde. O inquérito da PF apontou ao menos 39 contratos com
indícios de irregulares encontrados em auditorias realizadas pelo TCU e pela
Controladoria-Geral da União. “São várias empresas com sócios entre si, com os
mesmos endereços, sendo algumas delas fantasmas. O objetivo disso era realizar
a lavagem de valores, provavelmente oriundos de fraudes licitatórias”, diz o
procurador da República Ivan Cláudio Marx, do Núcleo de Combate à Corrupção do
Ministério Público Federal no Distrito Federal e responsável por conduzir o
caso com a Polícia Federal.
Em
nota, o advogado Pierpaolo Bottini afirma que Carolina Oliveira “viu com
surpresa a operação de busca e apreensão” em sua antiga casa, em Brasília.
“Carolina acredita que a própria investigação vai servir para o esclarecimento
de quaisquer dúvidas”, diz o texto. O governo de Minas Gerais afirmou, em nota,
que não é objeto da investigação. Procurado, o advogado de Bené, Celso Lemos,
não retornou as ligações. ÉPOCA também não conseguiu contato com o ex-deputado
Virgílio Guimarães e Erenice Guerra.
Agora,
os investigadores tentarão identificar o destino dos recursos desviados. O
delegado do caso, Dennis Cali, deu pistas dos próximos passos. Perguntado se
Pimentel era um dos investigados, o delegado dizia que não. E completava: “Até
o momento”.
*Via Revista Época.
*Via Revista Época.