Documentos
obtidos por ÉPOCA mostram que cadastro da petista foi alterado 16 vezes dentro
da sede do INSS, e ex-ministro foi a agência para garantir pensão sem
agendamento.
Às 15h05 do dia
31 de agosto, Dilma Rousseff assinou o documento que a notificava que o Senado havia aprovado
sua destituição da Presidência da República. Terminavam ali, oficialmente, seus
cinco anos e oito meses de gestão e pouco mais de 13 anos em cargos no governo
federal. Menos de 24 horas depois doimpeachment, um de seus aliados mais
próximos, o petista Carlos Eduardo Gabas, entrou pelos fundos da Agência da
Previdência Social do Plano Piloto, na Quadra 502 da Asa Sul de Brasília.
Acompanhado de uma mulher munida de uma procuração em nome de Dilma, Gabas
passou por uma porta de vidro em que um adesivo azul-real estampava uma mão
espalmada com o aviso: “Acesso apenas para servidores”.
Mas Gabas podia
passar. Não estava ali apenas como funcionário de carreira da Previdência, mas
como ex-secretário executivo e ex-ministro da Previdência do recém-encerrado
governo Dilma, como homem influente na burocracia dos benefícios e
aposentadorias entre 2008 e 2015. No papel agora de pistolão, Gabas subiu um
lance de escadas até uma sala reservada, longe do balcão de atendimento ao
público, onde o esperava o chefe da agência, Iracemo da Costa Coelho. Com a
anuência de outras autoridades do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o
trio deu entrada no requerimento de aposentadoria da trabalhadora Dilma Vana Rousseff.
Foi contabilizado um tempo de contribuição previdenciária de 40 anos, nove
meses e dez dias. Quando Gabas saiu da sala, Dilma estava aposentada, com renda
mensal de R$ 5.189,82, teto do regime previdenciário.
Tal celeridade
poderia ser o triunfo de uma burocracia ágil e impessoal, implantada pelo
governo Dilma. Mas não. O tempo médio de espera para que um cidadão consiga uma
data para requerer aposentadoria em uma agência da Previdência é de 74 dias,
segundo informações do INSS – 115 dias no Distrito Federal, onde o pedido de
Dilma foi feito. Não há rastro de agendamento no sistema do INSS para
que Dilma (ou alguém com uma procuração em seu nome) fosse atendida naquele 1º
de setembro ou em qualquer outra data. O tratamento dispensado a Dilma foi, portanto,
apenas um episódio de privilégio, obtido por meio de atalhos proporcionados por
influência no governo.
A aposentadoria
veio em boa hora. Naquele dia, Dilma perdeu o salário mensal de R$ 30.900 de
presidente da República. Era preciso correr. Ninguém melhor do que Gabas
que, além de influente no INSS, é um amigo de Dilma, que gosta de velocidade.
Motociclista militante, ele levou Dilma algumas vezes para passear em sua
Harley Davidson. Os passeios terminaram em 2015, quando a então presidente
queimou a perna ao descer da garupa.
Dilma e Gabas
afirmam que não houve nenhum privilégio ou tratamento diferenciado e que a
ex-presidente já poderia ter se aposentado há dez anos. Dizem que o atendimento
em uma sala reservada foi uma decisão do chefe da agência, que quis participar.
Afirma ainda que o agendamento havia sido feito “meses” antes, que um pedido de
alteração havia sido feito e que o atendimento “ficou para esta data”,
exatamente um dia após o impeachment. Não explica, no entanto, por que não há
registro desses agendamentos no sistema do INSS.
A
aposentadoria-relâmpago de Dilma vinha sendo articulada com discrição no INSS
havia meses, em um procedimento fora dos padrões, também sem
agendamento. Em 10 de dezembro de 2015, oito dias depois que o então presidente
da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, anunciou que havia
aceitado o pedido de impeachment da presidente, o cadastro trabalhista de Dilma
foi refeito do zero no sistema do INSS. Naquele dia, entre 8h42 e 18h43, foram
registradas 16 alterações na ficha laboral de Dilma, homologadas por uma única
servidora, Fernanda Cristina Doerl dos Santos, que exercia uma função
gratificada na Diretoria de Atendimento do INSS, na sede do órgão em Brasília –
não em uma agência de atendimento.
O cadastro de Dilma no INSS foi alterado 16 vezes em dez horas por uma
servidora da diretoria do INSS
Fernanda afirma
que o procedimento foi o mesmo aplicado a qualquer cidadão. Ao longo daquelas
dez horas, foram validados, alterados e excluídos vínculos trabalhistas desde
1975, que contariam para o cálculo de anos trabalhados por Dilma na concessão
de sua aposentadoria, nove meses depois. O artifício foi classificado como
“incomum” ou “excepcional” por três auditores e técnicos da Previdência
consultados por ÉPOCA. Sobre as 16 alterações em sua ficha, Dilma afirma que
havia constatado “pendências no cadastro” e, depois de apresentar documentos
para a regularização dessas pendências, os registros foram atualizados. O
presidente do INSS, Leonardo Gadelha, afirma que determinou a averiguação dos
fatos. O INSS confirma que não houve agendamento para os atendimentos de
dezembro e 1º de setembro. Todas as alterações no cadastro foram homologadas a
partir da apresentação de documentos oficiais ou certidões emitidas pelos
empregadores de Dilma – entre eles a Fundação de Economia e Estatística
Siegfried Emanuel Hauser, onde começou a trabalhar. Uma coisa estava certa:
pelas regras atuais, Dilma tinha tempo suficiente para se aposentar.
*BRUNO
BOGHOSSIAN