Crônica de Luiz Fernando Veríssimo
Que delícia de guerra" era o título de uma comédia musical inglesa sobre a Primeira Guerra Mundial, feita há alguns anos. Foi uma peça, depois um bom filme. Vista à distância, a guerra de 14 adquiriu um encanto nostálgico próprio para as comédias amargas. A guerra dizimou boa parte da jovem aristocracia inglesa e do proletariado recrutado, foi um dos maiores exemplos de insensatez humana da História e seu único resultado real foi preparar o terreno para outra grande guerra mundial. Mas, tanto na Inglaterra como nos outros países envolvidos, os soldados marchavam para o moedor de carne entre vivas e canções de multidões embandeiradas. O sentimento patriótico era comum, o entusiasmo era contagiante - e as canções eram ótimas. Descontados os milhões de mortos, foi uma delícia de guerra.
Na Primeira Guerra Mundial fizeram a sua estreia - pelo menos em guerras de brancos contra brancos - o tanque, a metralhadora e o bombardeio aéreo. A Segunda Guerra aperfeiçoou essas novas maneiras de matar e produziu outras, culminando com a apoteose da morte vinda do ar, a bomba atômica. A bomba atômica teve três efeitos importantes, descontados os incômodos mortos de sempre. Decretou o fim da Segunda Guerra e o começo da Guerra Fria. Mas também decretou que nunca mais teríamos guerras que poderiam, mesmo remotamente, serem redimidas, pela nostalgia ou qualquer outro tipo de absolvição.
A Segunda Guerra, como a Primeira, também mereceria o epíteto irônico de "deliciosa". Foi uma "boa" guerra, que derrotou o fascismo, deteve (outra vez) os alemães, rearrumou o mundo a favor da hegemonia americana e deu as melhores histórias de uma geração. As bombas nucleares acabaram com a ideia, ou a ilusão, da guerra boa. As duas guerras em que se meteram depois de Hiroshima e Nagasaki os americanos nem chamaram, oficialmente, de guerras. Houve uma "ação policial" na Coréia e uma intervenção no Vietnã e nos dois casos o uso do arsenal nuclear foi contemplado e descartado, porque o resultado prático não o absolveria. O comedido "equilíbrio de terror" mantido entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria era o reconhecimento tácito de que não sobraria ninguém para fazer musicais sobre uma guerra atômica.
Hoje, muitos países têm bombas nucleares ou, dizem, estão em vias de tê-las, e não se sabe bem até onde o comedimento resistirá ao fanatismo. Outra novidade em maneiras de matar, equivalente à bomba atômica no seu ineditismo, é o terrorista suicida, capaz de deflagrar ondas de retaliação e re-retaliação com um único gesto solitário. O que parece não ter mudado nestes anos todos, a se julgar pelo que acontece no Oriente Médio, é o desprezo pelo número dos mortos. Esta tem sido uma constante histórica.
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/
Um comentário:
Apesar de respeitar muito o autor acho que guerra nunca pode ser uma delicia; inclusive o tema guerra não me coloca muito a vontade pois, preferia que não existisse mas, enfim respeito o artigo.
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