domingo, 8 de março de 2009

Mulher:A verdadeira revolução

Por Patrícia Paladino
A sociedade vive sob um sistema patriarcal há cinco mil anos. Uma forma de organização que se baseia no poder do pai e que, por conseqüência, inferioriza o papel da mulher. No início da caminhada social da humanidade, o mundo mágico era povoado apenas por deusas, as responsáveis pela fecundação feminina. Quando o homem descobriu sua participação na procriação, o sistema de relações (que antes era baseado em igualdade e parceria) se rompeu. Conseqüentemente, houve uma ruptura na história da humanidade.
"A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas, nada de incomodá-lo com serviços domésticos"
"O homem descobriu seu papel imprescindível num terreno onde sua potência havia sido negada. Transformam-se totalmente as relações entre homens e mulheres. O homem foi desenvolvendo um comportamento autoritário e arrogante. Daquele parceiro igualitário de tanto tempo, a mulher assistiu ao surgimento do déspota opressor. A superioridade física agora encontra espaço para se estender à superioridade ideológica", diz a sexóloga e psicanalista Regina Navarro Lins, que mantém o site Cama na Rede e é autora de A cama na varanda - Arejando nossas idéias a respeito de amor e sexo, um clássico sobre relacionamento lançado na década de 90, que acaba de ganhar uma nova edição, revista e ampliada, pela Editora BestSeller.
A rigidez deste tipo de estrutura social dividiu a humanidade em duas partes: homens e mulheres. Pior: uma em oposição à outra. Os papéis foram entregues e assinados por ambos. Ao homem cabe a força, o poder, o dinheiro, a coragem, o sucesso. À mulher, a fragilidade, a sensibilidade, a delicadeza. E a submissão ao papel predominante do homem. Isso pode parecer, literalmente, pré-história para mulheres que estão na faixa dos 20 anos. Que tal ouvir estas frases?
"Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas".
" A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora de casa".
"A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas, nada de incomodá-lo com serviços domésticos".
"A esposa deve vestir-se depois de casada com a mesma elegância de solteira, pois é preciso lembrar-se de que a caça já foi feita, mas é preciso mantê-la bem presa".
Engraçado? Pois estas frases constam no Jornal das Moças, revista feminina semanal publicada entre 1914 e 1965, época de transformações significativas no campo político, social e cultural. A revista refletia o status da mulher das classes média e alta, entre as quais as maiores preocupações eram o bem-estar da casa, dos filhos e do marido e a maneira de cumprir este papel com doçura e maestria, além de assuntos relacionados à moda, cosméticos e afins. Destinava-se a dar conselhos a moças e senhoras de bem.
"Eu li a revista em momentos diferentes da vida, com olhares completamente diferentes", conta Wilma Barreiros, hoje com 80 anos e aposentada. Nascida em 1929, numa família de classe média, Wilma foi criada dentro do estereótipo difundido pela publicação. Casou aos 17 anos, teve dois filhos. Dedicava-se ao lar, ao marido e às crianças. Na mesa de centro, lá estava o Jornal das Moças. Em 1954, aos 25, decidiu dar um ponto final ao casamento. Entre outras coisas, a ausência do marido, que viajava muito, causava graves problemas financeiros. Foi uma decisão tomada contra a família, contra a sociedade e contra si mesma. Como seria, dali para a frente, a vida sem a figura masculina em casa? Sem nenhum tipo de preparo para arrumar um emprego? E com o estigma de ser uma "mulher separada com filhos"?
Como seria, dali para a frente, a vida sem a figura masculina em casa? Sem nenhum tipo de preparo para arrumar um emprego? E com o estigma de ser uma "mulher separada com filhos"? "Foi uma época dura. Vivi com os meus filhos na casa de familiares que aceitaram a situação. Mas quando entrei, disse: é por pouco tempo. Soube que havia a possibilidade de entrar para o Serviço Público, mas que precisaria me preparar. Foi o que fiz: me tranquei no quarto por meses. Fiz a prova e passei. Aluguei meu próprio apartamento. Como se diz hoje em dia: fui à luta", conta Wilma. Uma luta contra olhares e maldizeres.
"Um dia, folheei um exemplar do tal Jornal das Moças que havia sobrado. E vi que nada daquilo me faria conseguir o que consegui depois", conta Wilma, que fez carreira no órgão público chegando, no fim da década de 60, a um cargo de chefia. Ganhava bem, comprou um apartamento. Ajudou os filhos a casar e começar a vida. E foi viver a dela.
Morando sozinha na Zona Sul do Rio de Janeiro, Wilma fumava, usava maiô de duas peças na praia - o que era um absurdo! - e desafiava a sociedade simplesmente por não depender da figura masculina. Após a separação, casou de novo, enviuvou e decidiu que não iria mais casar. Só namorar - um relacionamento que durou mais de 20 anos, cada um em sua casa, até acabar de forma natural. Hoje, esta guerreira, que rompeu com dogmas, preconceitos e, principalmente, com o papel que lhe era destinado como um carma, tem netos e bisnetos. Mora com uma das filhas e não se arrepende de nada. "Fui uma mulher que talvez tenha se endurecido um pouco por conta da luta, da quebra de paradigmas, do enfrentamento. Mas sem a luta, minha vida não teria valido a pena".
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