sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Os outros apagões

De Celso Ming, no Estadão:
Todo apagão cria insegurança. O romano Catulo, no século 1º antes de Cristo, transmitiu assim esse sentimento: "Uma vez apagada a luz, some a confiança (sublata lucerna nulla est fides)."
O problema é que o apagão elétrico, que tanto exacerba o imaginário nacional, não é o maior que vive a sociedade brasileira. O Brasil é hoje um repositório de apagões que, no entanto, não mobilizam a energia nacional como mobiliza o elétrico. E isso é ruim porque mostra a inconsciência com que se lidam os problemas nacionais.
A questão educacional é um apagão à parte. O jovem não obtém preparo no sistema de educação e ensino nem para a vida profissional nem para o exercício de cidadania para o qual é chamado. E isso sobrecarrega as empresas brasileiras com programas de treinamento.
O sistema judiciário é outro problema. Uma simples solução de conflito demora anos e anos, exige depósitos judiciais e cria ainda mais insegurança sobre as regras de jogo na economia.
Quando lembra que "no Brasil até o passado é incerto", o ex-ministro Pedro Malan se refere não só à demora no cumprimento das decisões judiciais e aos esqueletos que se acumulam insepultos, mas também aos critérios ambíguos pelos quais se guiam os magistrados. E há os apagões do sistema meia-boca de saúde e dos dramas diários da nossa segurança pública.
Na área política, eles são incomensuráveis. Há anos se fala em reforma política, em voto distrital, em regras de fidelidade partidária e em financiamento racional de campanha eleitoral.
São projetos que não são votados nunca. E, omissão após omissão, o patrimônio do Estado vai sendo apropriado por interesses privados. Mas, nesse âmbito, o apagão maior é o apagão da oposição, que não tem discurso, não tem projeto, não tem opinião formada sobre nenhum assunto relevante.
O setor de infraestrutura é, por si só, um concentrador de apagões. Os portos brasileiros, por exemplo, estão emperrados pelo atraso, pela burocracia e pela irracionalidade. Os quilômetros de filas de caminhões na rodovia que liga a cidade de Curitiba ao Porto de Paranaguá, a BR-277, são suficientes para dar uma ideia do que é isso.
Há alguns meses, o País ficou à mercê dos controladores de voo, sem que, de lá para cá, nenhuma solução definitiva tenha sido implantada nos nossos aeroportos, há muito ultrapassados. A qualidade das estradas brasileiras é o que é. O sistema de telefonia não faz os investimentos necessários para dotar o Brasil de um serviço moderno de comunicações.
Qualquer um sabe o que são os juros na ponta do crédito. O que é difícil aí é distinguir o que é apagão financeiro e o que não passa de prática de agiotagem pura e simples. Afinal, juros a 240% ao ano, como são impostos pelas empresas administradoras de cartões de crédito, ou os 160% ao ano cobrados no cheque especial, o que são?
E não é preciso dizer o que é a carga tributária no País, o que é a irracionalidade do sistema previdenciário, que hipoteca o futuro do trabalhador e do servidor público, o que são as regras do sistema sindical e trabalhista. Um verso de William Shakespeare diz muita coisa sobre o que aconteceu aqui na noite de terça-feira: "Não há escuridão; há ignorância." Diante de tantos apagões que prevalecem no Brasil, talvez o maior deles seja o apagão da inconsciência.

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