sábado, 10 de outubro de 2009

O Mangabeira Unger da economia faz seu panfleto eleitoral

De Reinaldo Azevedo:
Espantoso um artigo que João Sicsú, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea e professor do Instituto de Economia da UFRJ, escreveu no jornal Valor Econômico, que é uma espécie de Granma do PT. O Brasil tem jabuticaba, pororoca e um jornal de economia que é de esquerda - nem que seja a esquerda petista.
Segundo Sicsú, a eleição de Collor marcou o início do desmonte do Estado no país, tarefa a que FHC teria dado continuidade em seus dois mandatos. E a tendência só foi revertida por Lula.
Trata-se de uma fraude intelectual. O estado estava quebrado em 1989 e tinha perdido a capacidade de investimento. E o estado só quebrou por excesso de estado, não por falta dele. Collor fez alguns ensaios de abertura da economia, do modo destrambelhado que conhecemos. Quem organizou essa abertura, obedecendo a todos os ritos legais e congressuais, foi FHC. O país só conseguiu entrar na economia da informação por causa, por exemplo, da privatização do setor de telefonia. A reconstrução do estado começou justamente com as privatizações e a criação das agências reguladoras. Sicsú certamente é um nostálgico do tempo em que uma linha de telefone custava até US$ 7 mil e era considerada patrimônio, declarado em Imposto de Renda. Sua saudade tem uma explicação pessoal: ele pertencia ao mundo dos com-telefone, mas já era um amigo do povo: do povo sem telefone. Quando FHC deixou o governo, entre telefonia fixa e celular, o serviço estava praticamente universalizado.
Segundo Sicsú, Collor e FHC desmontaram o estado de forma deliberada, para poderem privatizar as estatais. Trata-se de uma mentira grotesca. A engenharia do Plano Real foi quase milagrosa - digo “quase” porque não foi milagre, mas decisão técnica e política. Tratou-se matar a cultura da inflação, o que a escola intelectual de Sicsú já havia tentado antes, naufragando de modo espetacular, sem engessar a economia de mercado. Erros certamente foram cometidos, como se comete sempre.
Mas não há uma só pessoa intelectualmente honesta que não reconheça que ali se deram as bases da estabilidade da economia brasileira, com reflexos positivos que ainda hoje estão aí. Até o propalado baixo crescimento dos anos FHC está centrada numa mentira. A média de crescimento nos governos FHC foi superior à média mundial; nos governos Lula, é inferior. Ocorre que o mundo é outro. Sicsú já está fazendo campanha eleitoral. Para um professor, chega a ser vergonhoso escrever tanta bobagem.
Segundo o economista (!?), empresas estatais foram praticamente doadas, o que é proselitismo político dos mais vagabundos. Não só isso. É também uma mentira. Os 19% das ações da Telebras que pertenciam ao Estado foram vendidos por R$ 22,2 bilhões. Um ano depois, em Bolsa, se as ações fossem todas arrematadas, valeriam bem menos. Mas isso nem é tão importante. Entre 2003 e 2006, o setor de telefonia gerou R$ 118 bilhões em arrecadação de impostos - em 1998, R$ 8 bilhões apenas. Desde a privatização, concluída em 1998, até 2006, foi investida na área a fantástica quantia de R$ 135 bilhões.
Em 1997, havia no Brasil 17 milhões de linhas fixas e 4,5 milhões de celulares; em maio de 2008, as linhas fixas passavam de 42 milhões, e os celulares, de 130 milhões. Atenção: em 1997, havia, pois, 21,4 milhões de linhas telefônicas para 166 milhões de habitantes; em 1998, 172 milhões para 188 milhões de pessoas. Era, na prática, a universalização.
Sicsú sabe de tudo isso. Mas prefere o texto de campanha eleitoral, misturando no mesmo balaio problemas os mais distintos. Lista a melhoria de indicadores sociais e serviços havidos no governo Lula como se não fosse esta uma obrigação do Estado. Se FHC resolvesse comprar o último ano de seu governo com o último do governo Sarney, haveria vários saltos também formidáveis.
Governos podem cantar as suas glórias. Sempre fazem isso. Mas daí a satanizar o passado, que estabeleceu as bases do modelo que aí está, vai uma grande diferença: trata-se de vigarice intelectual descarada. Mas isso tem uma explicação. João Sicsú integrou aquela turminha que tinha a ambição de ser crítica do Plano Real em razão de sua “ortodoxia”. Mais: descia o sarrafo no primeiro mandato de Lula. Num artigo de meados de meados de 2003, ainda fora do governo, escrevia o valente:
É inequívoco que o presidente Lula apoiou-se nos mesmos pilares teóricos do expresidente Fernando Henrique Cardoso (doravante, FHC), seu antecessor, para elaborar seu modelo de política econômica. Logo nos primeiros dias e meses do novo governo, foram poucos os que perceberam que não haveria qualquer mudança substantiva na forma de condução da economia. Hoje, a percepção é muito mais generalizada, e membros do governo já admitem que o modelo é o mesmo de FHC.
(…)O Plano A de política econômica [que Lula manteve; do qual nunca se afastou] foi implementado pelo governo FHC, particularmente na sua segunda fase, de 1999 a 2002. O Plano A estava baseado no seguinte tripé da teoria econômica ortodoxa-liberal:
a) câmbio flutuante com mobilidade de capitais (isto é, liberalização financeira
externa);
b) regime de metas de inflação com um banco central autônomo; e
c) regime de metas para os superávits fiscais primários.
E vai por aí. Se tiverem paciência, leiam o texto. Em 2007, Sicsú, o Mangaberia Unger da economia, integrou o governo do qual era crítico ferrenho. Dois anos depois, não é apenas um entusiasmado defensor do que antes criticava (ele vai dizer, claro, que Lula optou pelo fortalecimento do estado, quem sabe ouvindo os seus conselhos): transformou-se num autor de panfleto.
Para certos acadêmicos brasileiros, o homem é seu emprego.

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