BRASÍLIA - Documentos apreendidos nas sedes das construtoras Queiroz Galvão e Engevix, investigadas por suspeita de envolvimento no cartel para fatiar obras da Petrobras e cujos diretores foram presos pela Polícia Federal (PF), revelam registros de repasses que teriam sido feito pelas empresas a políticos e partidos que participaram das eleições deste ano. Não há confirmação de que os pagamentos foram efetivamente feitos e, em caso afirmativo, se foram feitos legalmente ou não.
Nos registros constam nomes de candidatos tanto do governo quanto da oposição. Em pelo menos um desses papéis, apreendido na sede da Engevix, aparecem registros de alguns valores que não foram declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como doações de campanha neste ano.
Um manuscrito apreendido na sede da Queiroz Galvão, em São Paulo, lista diferentes candidatos com valores anotados ao lado. São os casos de “Padilha”, numa suposta referência ao candidato do PT ao governo de São Paulo Alexandre Padilha; “Lindinho”, em possível alusão a Lindberg Farias, concorrente do PT no Rio; “Pé Grande”, que pode ter relação com o governador reeleito pelo PMDB, Luiz Fernando Pezão.
Também há o registro de "Picciani", possível referência a Jorge Picciani, presidente do PMDB do Rio ou a seu filho, Leonardo Picciani, eleito deputado federal. Os valores anotados não guardam correlação aparente com as doações registradas no TSE.
Padilha, que aparece no papel apreendido na sede da Queiroz Galvão com a inscrição “750,00” ao lado, não recebeu recursos da empreiteira conforme os registros do TSE.
O senador Lindbergh Farias, derrotado no primeiro turno na disputa, recebeu R$ 1,42 milhão da empreiteira por meio de repasse da direção nacional do PT. Pezão foi financiado com R$ 255 mil por meio do comitê financeiro único do PMDB.
Jorge Picciani foi reeleito deputado estadual e não aparece nos registros do TSE como beneficiário de doação da Queiroz Galvão. Mas o filho dele, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), eleito deputado federal, recebeu R$ 199 mil da construtora via direção estadual do partido.
A anotação ainda traz a inscrição “PMDB nacional”. Pelos dados do TSE, o partido foi financiado com R$ 15,8 milhões da Queiroz Galvão na disputa eleitoral deste ano. O “PR nacional” também está no manuscrito. O partido recebeu R$ 2 milhões, conforme o TSE.
Na anotação aparece também "R. Jucá". O senador Romero Jucá (PMDB-RR) ainda está no meio do mandato de oito anos e não disputou cargo eletivo neste ano. Mas seu filho Rodrigo Jucá foi candidato a vice-governador na chapa de Francisco Rodrigues (PSB), que recebeu R$ 928 mil da Queiroz Galvão. O diretório do PMDB de Roraima, que é presidido pelo senador, recebeu outros R$ 2,2 milhões via diretório nacional.
"Rodrigo Garcia", "Milton Leite", "Police Neto", "Bitar", "João Paulo" e "Jilmar Tato" são os outros nomes que estão na anotação à mão. Para o deputado federal reeleito Rodrigo Garcia (DEM-SP), conforme os registros do TSE, só aparece um repasse de R$ 285 da Queiroz Galvão Alimentos. Milton Leite (DEM) é vereador em São Paulo e não disputou eleição neste ano. Candidato a deputado estadual de São Paulo, Police Neto (PSD) não recebeu doação da Queiroz Galvão.
O deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ) buscou neste ano a reeleição, mas não obteve sucesso. Na sua prestação de contas entregue ao TSE, Bittar registrou o recebimento de R$ 190 mil da Queiroz Galvão via diretório nacional do PT. O deputado federal João Paulo (PT-PE) perdeu a eleição ao Senado em seu estado. Ele recebeu contribuições de R$ 485 mil da empreiteira. Jilmar Tatto também aparece na planilha. Ele é secretário municipal de transportes e não foi candidato.
Uma outra planilha – esta digitada e com algumas anotações a mão – registra um cronograma de supostos ao PSDB nacional, de agosto a novembro deste ano. A planilha registra R$ 8,6 milhões como “valor total”. Os registros do TSE mostram repasses de R$ 4,4 milhões ao partido e de R$ 2,1 milhões ao comitê da candidatura à Presidência de Aécio Neves. A PF apreendeu ainda recibos de doações eleitorais ao PSDB em 2010, além de uma carta de agradecimento pelos repasses assinada pelo vice-presidente executivo do PSDB na ocasião, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Há recibos também de doação ao PSD.
No apartamento de Ildefonso Colares Filho, ex-presidente da Queiroz Galvão, foi encontrada uma planilha relativa às eleições de 2012. São listadas cinco doações que teriam sido feitas ao diretório nacional do PP e outras cinco ao diretório nacional do PR. As doações foram feitas durante as eleições municipais daquele ano. Para o PP, foram direcionados R$ 2,7 milhões. Para o PR, outros R$ 3,2 milhões. As doações que constam no documento aparecem na prestação de contas dos dois diretórios no site do TSE.
DEPUTADOS ESTÃO EM LISTA
Na sede da construtora Engevix, em Barueri (SP), foi apreendida também uma lista manuscrita com os nomes de políticos do PT e valores. A lista não tem data, mas consta dela um político que foi candidato a deputado federal pela primeira vez neste ano, Nilto Tatto (PT-SP). Dos políticos citados, apenas a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) declarou ter recebido recursos da empreiteira em suas prestações de contas ao TSE. No manuscrito, o nome dela aparece ao lado da inscrição “35”. No site do TSE consta que ela recebeu R$ 145 mil da “Engemix” via diretório nacional. O CNPJ, porém, é da Engevix.
Aparecem na lista manuscrita o deputado federal Vicente Cândido (SP), o candidato a federal Tatto, e os candidatos a deputado estadual Enio Tatto (SP), Altemir Tortelli (RS), Marcos Daneluz (RS) e Nelsinho Metalurgico (SP). Para Cândido o valor relacionado é “30”. No caso dos demais, há um valor de “25” riscado e uma inscrição de “20”. Na prestação de contas de nenhum deles, porém, há o registro de doações da Engevix. Há ainda na lista o nome “Miriam”, com a descrição de “35”. O GLOBO não conseguiu identificar quem seria a candidata.
Carta de agradecimento e um cartão do comitê de Dilma
Na sede da Galvão Engenharia, em São Paulo, foi apreendido um cartão de um integrante do comitê financeiro da campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição. O cartão de Manoel Araújo, da coordenação do comitê, tem como inscrição de e-mail o domínio
dilma2014.com.br, usado pela campanha presidencial neste ano. A Galvão Engenharia, segundo a prestação de contas entregue pelo PT ao TSE, doou R$ 2 milhões para a campanha presidencial.
Uma carta de agradecimento da senadora Ana Amélia (PP), que disputou o governo gaúcho neste ano, foi encontrada no avião de José Aldemário Pinheiro Filho, presidente da OAS, preso pela PF na última etapa da Operação Lava-Jato, em 14 de novembro. Ana Amélia fez ainda anotações a mão agradecendo a “Leo Pinheiro”, apelido do executivo, e elogios à Arena do Grêmio, construída pela OAS.
Na prestação de contas da senadora, porém, não há registro de doação recebida pela empreiteira ou por suas subsidiárias. Em resposta ao GLOBO, ela afirmou que esteve com um outro executivo da OAS, Carlos Henrique Lemos, em 1º de setembro durante visita ao estádio do Grêmio. Afirmou que estava junto com o presidente do PP gaúcho, Celso Bernardi. A doação, de R$ 400 mil, foi então realizada por meio da Construtekma. O dinheiro, no entanto, foi direcionado pelo PP para campanhas de deputados estaduais. Ana Amélia disse não conhecer pessoalmente Pinheiro e que o agradecimento se deve a essa doação.
“Enviei carta de agradecimento a todos que, de alguma forma, ajudaram a cumprir o desafio de concorrer em uma campanha majoritária no quinto maior colégio eleitoral do país, obedecendo a legislação em vigor, relativa ao financiamento das campanhas eleitorais”, disse a senadora.
OUTRO LADO
Em nota, a Queiroz Galvão disse que recebe diversas solicitações de vários departamentos da empresa para variados partidos.
“Todos os anos a Construtora Queiroz Galvão recebe diversas solicitações de vários departamentos da empresa para diferentes partidos. Essas solicitações são avaliadas e não refletem a decisão final da companhia. As tabelas apreendidas são estudos preliminares com base nas solicitações recebidas pelas diversas áreas da empresa.
Os números não necessariamente se converteram em doações já que a decisão final da companhia levou em consideração a disponibilidade de orçamento, limite estipulado em Lei para doações eleitorais e a posição dos partidos em relação ao desenvolvimento do País em cada estado. Após análise, as quantias aprovadas compuseram o valor total das doações legalmente feitas aos comitês dos partidos.”
Procurada, a Engevix afirma que prestará os esclarecimentos necessários à Justiça, por meio de seus advogados. A Galvão Engenharia respondeu que não irá se pronunciar. E a OAS afirma que "todas as doações eleitorais realizadas são feitas nas formas previstas em lei".
Integrante do comitê financeiro da campanha de Dilma, Manoel Araújo confirmou por e-mail que visitou "diversas empresas" com o propósito de pedir doação eleitoral e que deixou em muitas delas o cartão de identificação como integrante do comitê. "Visitei diversas empresas, com o objetivo de solicitar doação eleitoral à campanha, conforme estabelece a legislação", afirmou Manoel.
Partidos citados nos papéis apreendidos sustentam que as doações feitas foram legais e registradas no TSE. "Não há nenhuma ilegalidade nessas doações", sustenta o PMDB, por meio da assessoria de imprensa. É o mesmo posicionamento do PSDB, que informou que "todas as doações recebidas pelo partido estão registradas em suas prestações de contas encaminhadas ao TSE".
A direção nacional do PR, por sua vez, afirmou que não comenta a "atividade financeira de terceiros". "A legenda republicana desconhece os critérios adotados pelos doadores quando os mesmos decidem pela doação", cita a assessoria de imprensa. "Todas as doações recebidas foram realizadas dentro da lei, conforme registro do TSE."
Por email, a assessoria do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) disse que todas as doações foram feitas dentro da lei:
"Todas as doações recebidas por nós foram feitas rigorosamente na forma da lei e estão em nossas prestações de contas ao TSE".
O senador Lindbergh Farias afirmou que a doação para sua campanha foi feita por meio de repasse do diretório nacional do PT e que respeitou a legislação eleitoral. Ao amargar a lanterna na disputa pelo governo do Rio, o petista enfrentou problemas de caixa e teve dificuldade para conseguir doadores.
- A doação foi legal, veio do partido, não houve qualquer ilegalidade. Foi tudo feito dentro da lei - disse ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário