A historiadora Heloísa Starling, durante apresentação à Comissão Nacional da Verdade em meio deste ano
A crise instalada na Comissão Nacional da Verdade
levou à interrupção, há mais de quatro meses, de uma equipe de investigação
responsável por apurar crimes e omissões das Forças Armadas na ditadura, buscar
documentos militares e informações sobre o financiamento da repressão por
empresários.
Formado por historiadores e jornalistas, o grupo era
conhecido internamente como "equipe ninja", já que o objetivo era
realizar investigações e tomar depoimentos de militares e ex-agentes da
repressão sem fazer alarde.
Os temas são considerados sensíveis por causa da
resistência do empresariado e de militares. O trabalho foi desarticulado após a
apresentação do relatório do primeiro ano da comissão, em maio.
O grupo era coordenado pela historiadora Heloísa
Starling, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que ainda hoje
assessora a comissão. "O trabalho foi desativado em maio e desde então não
foi mais retomado", confirmou Starling.
A "equipe ninja", formada por 24 pessoas,
entre jornalistas e historiadores, gerou desconfianças e provocou discussões
entre comissários.
Segundo Maria Rita Kehl, uma das sete integrantes da
Comissão da Verdade, Cláudio Fonteles se demitiu após uma discussão sobre o
trabalho dos "ninjas". Procurado, ele disse que não falaria sobre a
comissão.
Internamente, Fonteles e Rosa Cardoso, outra
comissária, acusaram Heloísa Starling de mau uso de dinheiro público na
condução das investigações. "Houve uma auditoria que não encontrou nenhuma
irregularidade, discutimos isso em reunião", afirmou Maria Rita Kehl.
Oficialmente, a Comissão da Verdade diz que nenhum
grupo foi desmobilizado e nega a existência da auditoria. Procurados, Rosa
Cardoso e o atual coordenador da comissão, José Carlos Dias, afirmaram não ter
informações sobre o assunto.
Enquanto o grupo funcionou, segundo a Folha apurou,
foram recolhidos documentos, que estavam com terceiros e o Estado, avançou-se
na investigação sobre o financiamento da repressão e um dos entrevistados,
acusado de tortura, admitiu a prática e apontou outros colegas que participaram
das sessões.
O teor do trabalho, que não foi levado adiante, é
mantido sob sigilo. Três historiadores -José Murilo de Carvalho, Ângela Castro
Gomes e Daniel Aarão Reis- analisaram e aprovaram a pesquisa em parecer, como
confirmou Paulo Sérgio Pinheiro.
Uma pequena parte da pesquisa tornou-se pública no
relatório divulgado em maio: a Marinha reiteradamente omitiu, no pós-ditadura,
ter informações sobre alguns presos políticos que, nos anos 70, foram
declarados mortos pela própria instituição.
"Há pelo menos outros dois documentos
importantíssimos da Marinha que ainda não foram divulgados", informou
Maria Rita Kehl.
Com o trabalho dos "ninjas", esperava-se produzir informações,
evitando reciclar fatos já conhecidos do período. A Comissão da Verdade,
contudo, diz que esses fatos ainda estão sob investigação.
*Texto por LUCAS FERRAZ - DE SÃO PAULO - NA FOLHA PODER.
Nenhum comentário:
Postar um comentário