O pioneiro inconteste na investigação do fenômeno "Foro de São Paulo" foi o
advogado paulista José Carlos Graça Wagner, homem de inteligência privilegiada,
que muito me honrou com a sua amizade. Ele já falava do assunto, com aguda
compreensão da sua importância histórica e estratégica, por volta de 1995,
quando o conheci. Em 1999, a documentação que ele vinha coletando sobre a origem
e as ações da entidade lotava um cômodo inteiro da sua casa, e uma prova da
criteriosidade intelectual do pesquisador foi que só a partir de então ele se
sentiu em condições de começar a escrever um livro a respeito. Na ocasião, ele
me chamou para ajudá-lo no empreendimento, mas eu estava de partida para a
Romênia e, com muita tristeza, declinei do convite.
Maior ainda foi a tristeza que experimentei anos depois, quando, ao retomar o
contato com o Dr. Wagner, soube que o projeto tinha sido interrompido por uma
onda súbita e irrefreável de revezes financeiros e batalhas judiciais, que
terminaram por arruinar a saúde do meu amigo e de sua esposa, ambos já idosos.
Não sai da minha cabeça a suspeita de que a perigosa investigação em que ele se
metera teve algo a ver com a repentina liquidação de uma carreira profissional
até então marcada pelo sucesso e pela prosperidade.
Ele tinha negócios nos EUA e era também lá, nas bibliotecas e arquivos de
Miami e de Washington D.C., que ele coligia a maior parte do material sobre o
Foro. Nos últimos anos, a pesquisa havia tomado um rumo peculiar. O Dr. Wagner
esperava encontrar provas de uma ligação íntima entre o Foro de São Paulo e uma
prestigiosa entidade da esquerda chique americana, o "Diálogo Interamericano".
Não sei se essa prova específica existe ou não, nem se ela é realmente
necessária para demonstrar algo que metade da América já conhece por outros e
abundantes sinais, isto é, que os líderes mais barulhentos do Partido Democrata
são notórios protetores de movimentos revolucionários e terroristas (de modo que
o Foro, se acrescentado à lista, não modificaria em grande coisa as biografias
desses personagens vampirescos).
O que sei é que o começo da ruína pessoal do meu amigo data aproximadamente
de uma entrevista que ele deu ao Diário Las Américas, importante publicação de
língua espanhola em Miami, na qual falava do Foro de São Paulo e de suas
relações perigosas com o "Diálogo". Mas isto já seria matéria para outra
investigação, e longe de mim a intenção de explicar obscurum per obscurius.
Mesmo sem poder prometer a solução para esse aspecto particularmente enigmático
do problema, uma coisa posso garantir: os arquivos do Dr. Wagner, recentemente
postos à disposição da equipe de pesquisadores do Mídia Sem Máscara e da
Associação Comercial de São Paulo, pela generosidade de José Roberto Valente
Wagner, permitem retomar a investigação com a esperança de que antes de um ano
teremos pelo menos a história interna do Foro de São Paulo reconstituída
praticamente mês a mês. Então será possível colocar em bases mais sólidas a
questão do "Diálogo", mas antes disso será preciso resolver outro enigma, bem
mais urgente e bem mais próximo de nós.
Vou formular esse enigma mediante o contraste entre duas ordens de fatos:
Primeira: O Foro de São Paulo é a mais vasta organização
política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do
mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não
é uma organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena
de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à
indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno, todas empenhadas numa
articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no
mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente,
tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime.
Segunda: Durante dezesseis anos, todos os jornais, canais de
TV e estações de rádio deste País – todos, sem exceção, inclusive aqueles que
mais se gabavam de primar pelo jornalismo investigativo e pelas denúncias
corajosas – se recusaram obstinadamente a noticiar a existência e as atividades
dessa organização, malgrado as sucessivas advertências que lhes lancei a
respeito, em todos os tons possíveis e imagináveis. Do aviso solícito à
provocação insultuosa, das súplicas humildes às argumentações lógicas mais
persuasivas, tudo foi inútil. Quando não me respondiam com o silêncio
desdenhoso, faziam-no com desconversas levianas, com objeções céticas
inteiramente apriorísticas, que dispensavam qualquer exame do assunto, com
observações sapientíssimas sobre o meu estado de saúde mental ou com a zombaria
mais estúpida e pueril que se pode imaginar. Reagindo a essa pertinaz negação
dos fatos, fiz publicar no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara as atas quase
completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. A volumosa
prova documental mostrou-se incapaz de demover os negacionistas. Eles pareciam
hipnotizados, estupidificados, mentalmente paralisados diante de uma hipótese
mais temível do que seus cérebros poderiam suportar na ocasião.
O Foro de São Paulo reúne mais de uma centena de partidos legais e várias
organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros,
como as FARC e o MIR chileno.
A publicação das atas teve porém duas conseqüências importantes. De um lado,
o site oficial do Foro, www.forosaopaulo.org, foi retirado do ar às pressas,
para só voltar meses depois, em versão bastante expurgada. De outro lado, entre
os jornalistas e analistas políticos, a afetação de desprezo pelo asunto cedeu
lugar à negação ostensiva, pública, da existência mesma do Foro de São Paulo.
Dois personagens destacaram-se especialmente nesse servicinho sujo: o inglês
Kenneth Maxwell e o brasileiro Luiz Felipe de Alencastro. Para anunciar ao mundo
a completa inexistência da entidade que eu denunciava, ambos – por ironia,
historiadores de profissão – usaram como tribuna ou megafone o pódio do CFR,
Council on Foreign Relations, o mais poderoso think tank americano, dando assim
à ignorância dolosa (ou à mentira grotesca) o aval de uma autoridade
considerável. Quem ainda tenha ilusões quanto à confiabilidade intelectual da
profissão acadêmica, mesmo exercida nos chamados "grandes centros" (Alencastro é
professor na Universidade de Paris, e Maxwell é o consultor supremo do próprio
CFR em assuntos brasileiros), pode se curar dessa doença mediante a simples
notificação desses fatos.
Mas aí a hipótese da mera ignorância organizada começa a ceder lugar à
suspeita de uma trama consciente bem maior do que a nossa paranóia poderia
imaginar. Membros importantes do CFR tiveram contatos próximos com as
organizações criminosas participantes do Foro de São Paulo, cuja existência,
portanto, não poderiam ignorar (leia-se a respeito o meu artigo "Por trás da
subversão", Diário do Comércio, dia 05 de junho de 2006, http://www.olavodecarvalho.org/semana/060605dc.html).
Em suma, o Brasil parecia estar preso entre as malhas de uma articulação
criminosa, que envolvia, ao mesmo tempo, a totalidade dos partidos de esquerda
latino-americanos, o grosso da classe jornalística nacional, as principais
gangues de narcotraficantes do continente e, por fim, uma parcela nada
desprezível da elite política e financeira norte americana.
A gravidade desses fatos mede-se pela amplitude e persistência da sua
ocultação. Crescendo em segredo, o Foro de São Paulo tornou-se o motor principal
das transformações históricas no continente, ao mesmo tempo que a ignorância
geral a respeito fazia com que os debates públicos – e portanto a totalidade da
vida cultural – se afastasse cada vez mais da realidade e se transformasse numa
engenharia da alienação, favorecendo ainda mais o crescimento de um esquema de
poder que se alimentava gostosamente da sua própria invisibilidade. A queda
vertiginosa do nível de consciência pública nessas condições, era não só
previsível como inevitável. As opiniões circulantes tornaram-se uma dança
grotesca de irrelevâncias, desconversas e erros maciços, ao mesmo tempo em que a
violência e a corrupção cresciam ante os olhos atônicos do público e dos
formadores de opinião, cada um apegando-se às explicações mais desencontradas,
extemporâneas e impotentes. Muitas décadas hão de passar antes que a devastação
psicológica resultante desse quadro possa ser revertida. O fabuloso concurso de
crimes que a determinou não tem paralelo na história universal.
Um dos aspectos mais grotescos da situação é a facilidade com que os culpados
se desvencilham de qualquer tentativa de denúncia, qualificando-a de "teoria da
conspiração". Mas quem falou em conspiração? O que vemos é uma gigantesca
movimentação de recursos, de poderes, de organizações, de correntes históricas,
que para permanecer imune à curiosidade popular não precisa se esconder em
porões, mas apenas apostar na incapacidade pública de apreender a sua
complexidade inabarcável e de acreditar na existência de tanta malícia
organizada.
O Foro é uma entidade sui generis, sem correspondência em qualquer época ou
país. Longo tempo depois de extinto, como espero venha a sê-lo um dia, ele ainda
constituirá um enigma e um desafio ao tirocínio dos historiadores. Para nós, ele
é mais do que isso. É o inimigo "onipresente e invisível" sonhado por Antonio
Gramsci.
*Texto: Olavo de Carvalho
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