O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, vetou
nesta sexta-feira o pedido do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu para
trabalhar fora do presídio da Papuda, no Distrito Federal, enquanto cumpre pena
pela condenação no julgamento do mensalão. Relator do processo na Corte,
Barbosa sustentou que o petista ainda não cumpriu o mínimo de um sexto de sua
pena – sete anos e onze meses –, um requisito para conseguir o benefício,
segundo a Lei de Execução Penal. No caso de Dirceu, seria preciso cumprir
ao menos 1 ano, 3 meses e 25 dias de prisão no regime semiaberto – com
possibilidade de descontar os dias remidos por trabalho ou estudo.
Por lei, a autorização para o trabalho externo depende do cumprimento
prévio de um sexto da pena. Porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem
jurisprudência que autoriza o trabalho independentemente da comprovação deste
prazo. O Supremo, por sua vez, tem decisões em sentido contrário, exigindo a
comprovação de cumprimento prévio de parte da sentença. Nesta quinta-feira, por
exemplo, Barbosa revogou a permissão de outro mensaleiro, Romeu Queiroz, para
trabalhar fora do presídio em Minas Gerais – o que deverá ser replicado para os
demais menaleiros que conseguiram o benefício.
“Ausente o pressuposto objetivo para a concessão do benefício (não
cumprimento de 1/6 da pena) e por ser absolutamente contrários aos fins da pena
aplicada (…) indefiro o pedido”, disse Barbosa na decisão sobre o pedido de
Dirceu. Em sua decisão, o magistrado contesta ainda a interpretação frequente
do STJ de que o cumprimento de um sexto da pena não seria necessário e afirma
que as decisões daquele tribunal “violam frontalmente o disposto no artigo 37
da Lei de Execução Penal”. “Ao eliminar a exigência legal de cumprimento de uma
pequena fração da pena total aplicada ao condenado a regime semiaberto, as VEPs
e o Superior Tribunal de Justiça tornaram o trabalho externo a regra do regime
semiaberto, equiparando-o, no ponto, ao regime aberto, sem que o Código Penal
ou a Lei de Execução Penal assim o tenham estabelecido. Noutras palavras,
ignora-se às claras o comando legal, sem qualquer justificativa minimamente
aceitável”, afirmou.
Em resposta à Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados, a Vara de Execuções Penais do Distrito Federal
já havia rejeitado a principal tese petista, segundo a qual ele estaria sendo
prejudicado por ser o único mensaleiro a não ter tido autorizado o pedido de
trabalho externo. Dirceu tem oferta para trabalhar no escritório do
criminalista José Gerardo Grossi.
Para Barbosa, o fato de Grossi não
permanecer em seu escritório durante todo o expediente, por exemplo,
dificultaria a fiscalização de Dirceu durante a jornada de trabalho. “Ademais,
para fins de reeducação, o apenado já vem executando atividade similar dentro
do sistema prisional”, onde tem feito cursos de Direito Constitucional e
trabalhado dentro da biblioteca da Papuda. Na avaliação do ministro, “não há,
assim, motivo para autorizar a saída do preso para executar serviços da mesma
natureza do que já vem executando atualmente, considerada a finalidade do
trabalho do condenado”, que é educativa e produtiva, conforme a Lei de Execução
Penal.
Em seu despacho, o ministro ainda
critica duramente a oferta de trabalho feita por Grossi ao principal condenado no
escândalo do mensalão e afirma que “é lícito vislumbrar na oferta de trabalho
uma mera ‘ação de complacência entre companheiros’”. “É de se indagar: o
direito de punir indivíduos definitivamente condenados pela prática de crimes,
que é uma prerrogativa típica do Estado, compatibiliza-se com esse inaceitável
tradeoff entre proprietários de escritórios de advocacia criminal? Harmoniza-se
tudo isso com o interesse público, com o direito da sociedade de ver os
condenados cumprirem regularmente as penas que lhes foram impostas?”, questiona
ele.
Mordomias
A decisão contrária ao trabalho a José Dirceu foi divulgada no mesmo dia em que o jornal Folha de S. Paulo revelou que as mordomias do ex-ministro da Casa Civil na prisão continuam: sua filha, Joana Saragoça, foi flagrada furando a fila de visitas na Papuda com a ajuda de um funcionário da Subsecretaria do Sistema Prisional.
A decisão contrária ao trabalho a José Dirceu foi divulgada no mesmo dia em que o jornal Folha de S. Paulo revelou que as mordomias do ex-ministro da Casa Civil na prisão continuam: sua filha, Joana Saragoça, foi flagrada furando a fila de visitas na Papuda com a ajuda de um funcionário da Subsecretaria do Sistema Prisional.
Nesta semana, o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, já havia encaminhado documento ao Supremo no qual
apontava “indicativos claros” de tratamento diferenciado concedido aos
mensaleiros na cadeia. Entre esses indicativos, ele citou o fato de os presos
terem recebido visitas em horários diferenciados na Papuda, administrada pelo
governo Agnelo Queiroz (PT). O procurador ressaltou ainda depoimento no qual
outros presidiários relataram que os condenados do mensalão recebem café da
manhã diferente. “Há indicativos bastante claros que demandariam uma atitude
imediata das autoridades”, disse.
Em duas edições, VEJA revelou uma série
de mordomias que Dirceu e Delúbio Soares desfrutam na Papuda. Dirceu passa a
maior parte do dia no interior de uma biblioteca onde poucos detentos têm
autorização para entrar. Lá, ele gasta o tempo em animadas conversas,
especialmente com seus companheiros do mensalão, e lê em ritmo frenético para
transformar os livros em redações, o que lhe pode garantir dias a menos na
cadeia. O ex-ministro só interrompe as sessões de leitura para receber visitas
– incluindo um podólogo –, muitas delas fora do horário regulamentar e sem
registro oficial algum, e para fazer suas refeições, especialmente preparadas
para ele e os comparsas.
Já o ex-tesoureiro petista detém forte
influência no Centro de Progressão Penitenciária. Os benefícios, considerados
irregulares pelo Ministério Público do Distrito Federal, incluem até refeições
especiais, como feijoada aos finais de semana, o que é proibido para todo o
restante da população carcerária. Outro exemplo da influência de Delúbio dentro
do CPP ocorreu quando o petista teve sua carteira roubada. Ele chamou o chefe
de plantão, que determinou que ninguém deixasse a ala do centro de detenção até
que a carteira, os documentos e os 200 reais em dinheiro fossem encontrados.
Comandada pelo PT, a Comissão de
Direitos Humanos da Câmara realizou uma diligência na Papuda com o objetivo de
negar a existência de benefícios aos condenados no julgamento do mensalão e,
dessa forma, evitar sanções aos mensaleiros. A intenção era pressionar pela
liberação do trabalho externo para Dirceu, mas o tiro saiu pela culatra: os
deputados encontraram Dirceu assistindo a um jogo de futebol em TV de plasma e
conferiram que sua cela é maior e mais equipada que a dos demais detentos –
possui micro-ondas, chuveiro quente e uma cama melhor.
Em resposta à Comissão, a própria Vara
de Execuções Penais desconstruiu o argumento de que Dirceu estaria sendo
penalizado pelas autoridades judiciárias por não ter recebido aval para o
trabalho externo. Conforme a VEP, ao contrário do que alega a militância
petista, o regime semiaberto não garante o direito ao trabalho externo, e sim à
possibilidade de o detento ser ser contemplado com esse benefício. “O regime
semiaberto não se caracteriza pela existência de benefícios externos, os quais,
na forma do artigo 35 do Código Penal, podem ser autorizados de forma
excepcional. O trabalho ao sentenciado, como regra, é interno, mesmo no regime
semiaberto. O sentenciado José Dirceu cumpre pena no regime semiaberto com
estabelecimento adequado ao regime prisional fixado na sentença”, informou a
VEP em ofício enviado à Câmara dos Deputados.
Dirceu está sendo investigado pela
Justiça por ter usado um celular dentro da cadeia do secretário da Indústria,
Comércio e Mineração do governo da Bahia, James Correia, no dia 6 de janeiro.
*Por Laryssa
Borges, na Veja.com
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