Cunha chegou com aparente normalidade à Câmara na tarde de quinta-feira. Foi à Secretaria-Geral da Mesa e protocolou a carta de renúncia, como manda a regra. Apesar da postura decidida, estava claramente constrangido – o rubor que tomava conta do seu rosto sinalizava o desconforto. Há uma década, outro presidente da Câmara, o folclórico Severino Cavalcante, fizera o mesmo que Cunha. Severino, entretanto, teve o privilégio de renunciar de seu lugar devido, seu assento na mesa diretora, diante do plenário. Apanhado por uma vergonhosa e reles cobrança de propina de um dono de restaurante – caiu por um cheque de R$ 10 mil –, Severino subiu ao seu lugar e leu um discurso, ouvido pelos deputados que lotavam o local em um silêncio sepulcral.
Impedido pelo Supremo até mesmo de entrar no plenário, Eduardo Cunha teve de se contentar com bem menos formalidade e liturgia. Caminhou para o Salão Nobre e renunciou para jornalistas e uns poucos colegas. Fez isso tentando aparentar bom humor, ao dizer que estava com saudades de falar com a imprensa. Quando começou a ler a carta, o tom mudou: ao fazer agradecimentos, a voz embargou e uma lágrima escorreu quando mencionou a esposa e a filha Danielle Dytz, ambas investigadas na Lava Jato e sob a jurisdição do juiz Sergio Moro, a partir de investigações sobre o deputado. Ninguém esperava testemunhar o dia em que o frio Eduardo Cunha, aquele que se mantém impassível quando xingado por manifestantes ou atacado por algum adversário a seu lado, choraria em público. Quem convive com Cunha jura que as lágrimas foram sinceras. Quem descarta a possibilidade de Cunha estar abalado e estudar a possibilidade de colaborar com a Lava Jato ouve: “Você já teve uma filha investigada sob os cuidados do Moro?”.
Entretanto, apenas os inocentes enxergam uma desistência na decisão de Cunha de renunciar. Trata-se, na verdade, de outro passo na longa estratégia dele de ganhar tempo para preservar o mandato. Cunha foi o presidente da Câmara mais poderoso desde Ulysses Guimarães, no governo José Sarney (1985-1990). Após anos de presidências dóceis ao Executivo, Cunha derrotou o governo Dilma Rousseff em praticamente tudo. Controlador de uma maioria dispersa por partidos grandes, médios e pequenos, formada basicamente pelo extenso baixo clero, conseguiu feitos impensáveis, entre eles cumprir todos os ritos para aprovar o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Desde que surgiram as primeiras suspeitas da Operação Lava Jato sobre sua atuação paralela à política, há um ano, Cunha usa essa rede de apoios a seu favor. Opera com a lógica de alongar períodos e instalar curvas no que deveria ser uma linha reta processual.
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