Presidente do PT Rui Falcão diz que imprensa livre pode levar ao nazismo
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse ontem que a imprensa e setores do Ministério Público tentam “interditar” a política e por isso devem ser combatidos pelo partido. A oligarquia petista que pratica o “nós contra eles” permanece em marcha cada vez mais desabrida, sem vergonha de um partido governar contra a população.
Paradoxalmente, Falcão afirmou que a imprensa livre (sem ser regulada pelo tal Partido) “abre campo para experiências que no passado levaram ao nazismo e ao fascismo”.
Falcão usa a palavra preferida de setores progressistas e, como tais setores a usam, exatamente em sentido oposto: acreditam que algo que exista fora do Estado, sem dar poder ao Estado, contra os dirigentes que assaltam ou exploram a população através do Estado, seja fascismo – justamente o oposto perfeito do que é o fascismo, embora para tais pessoas usar tal palavra irresponsavelmente seja sinônimo de dividendos eleitorais pelo medo e ignorância.
Além de declarar frontalmente que o PT (O Partido, e não uma angelical entidade desinteressada no controle do Estado) deva combater não apenas a imprensa livre, quanto até mesmo membros do Ministério Público (ou seja, até mesmo setores do Estado que cuidam de averiguar corrupção e descalabros e excessos de poder), Falcão defendeu que deputados d’O Partido devem lutar para regulamentar a mídia – obviamente que será regulamentada eles próprios, controlando o que é possível dizer sobre eles ou não – e afirmou ainda que a mídia “abre campo para as aventuras golpistas”.
Ora, apesar da palavra “golpista” ter virado outra modinha após uma palestra de intelectuais da USP tendo de se explicar sobre seu apoio ao PT no estouro da crise do mensalão, é outro termo usado quase em sentido oposto pela massa pouco instruída de caudatários da causa, naquilo que é chamado de “reflexão automática” por psicólogos.
Um golpe de Estado é algo inconstitucional, uma tomada à força do poder que guerreia nos espaços físicos (como prédios públicos) em que se encontram os governantes. Revoltas populares contra governantes ou conluios palacianos são golpes (como o perpetrado contra Jango e Romanov por grupos específicos, ou Ceaușescu e Honecker pela população já saturada de tais descalabros). O que setores da imprensa e da sociedade fizeram ao PT nos últimos 10 anos foram apenas pedidos de investigação e mesmo de impeachment – algo completamente constitucional, dando amplo espaço para a defesa (que durou anos). Basta comparar as passeatas do PT (aliado a CUT, MST, UNE e demais oligopólios) na era FHC (“Fora FHC e o FMI!”) com manifestações como a dos “20 do Masp” (“MP, investiga o Lula!”).
Bilinguis maledictus
“São esses a quem nominei que tentam interditar a política no Brasil e fazem com que ao mesmo tempo desqualifiquem a política. Quando desqualificamos a política, a gente abre campo para as aventuras golpistas, para experiências que no passado levaram ao nazismo e ao fascismo, que devemos definitivamente afastar do nosso país.”
A fala de Rui Falcão, apesar de aparentemente apenas tola, banal ou desnecessariamente provocativa, é reveladora. Basta entender o sentido de “política” em seu arrazoado.
O Estado de Direito é criação posterior ao mero surgimento do Estado moderno. A idéia de uma “pessoa humana” que seja sempre protegida por “direitos fundamentais” surge com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, é universalizada com a Revolução Francesa (mesmo sob o absolutismo de Napoleão, conquistas como o direito à inviolabilidade da correspondência são expandidas por toda a Europa com as conquistas napoleônicas) e tem seu ápice com o constitucionalismo moderno na anterior Revolução Americana (mas de efeitos posteriores).
Foi a partir do caso Marbury vs Medison (1803), que trata justamente da inconstitucionalidade de uma lei ordinária que tenta concentrar mais poder na Corte (o que a própria Corte rejeita, fazendo valer a letra da Lei Maior), que se inaugurou o conceito de Estado de Direito, em oposição ao anterior Estado de Política. Se antes a política e a manipulação palaciana determinava os rumos do país (e, sendo o Estado a força monopolista da violência, qualquer coisa poderia ser impingida à população, desde que com apoio governamental o suficiente), o constitucionalismo moderno fez valer antes o império do Direito, e não do governo.
O direito é o norte da política em um Estado constitucional (stricto sensu), não mais a política. Quando Rui Falcão diz que as denúncias de falcatruas que o Ministério Público leva a cabo e a imprensa mostra á população “desqualificam a política”, não se trata de mero chiste: Falcão diz, com todas as letras, que o valor do Direito é menor para seu Partido do que o governo – e, numa democracia, significa governar, e não apenas deixar que outros governem. O próprio mensalão é justamente isso: conseguir ganhar eleições com gastos milionários e lorotas baratas a todo custo, para concentrar o poder nas mãos do Executivo e poder sempre governar, usando a máquina pública para ganhar todas as outras eleições. Não se defende apenas um “governo”, e sim “que O Partido governe”.
Impedir essa política é o que o MP e a imprensa fazem: por isso se tornam não inimigas do Estado, mas d’O Partido. Provavelmente sabendo da contradição, Falcão solta o vezo “fascismo e nazismo”, mesmo que não tenha sido a imprensa livre ou denúncias de corrupção que colocaram essas forças no poder (pelo contrário, e os próprios nazistas e fascistas adotaram o discurso “político” de Rui Falcão) apenas para assustar e instigar as massas de manobra que rendem votos ao PT – da população carente a jornalistas “intelectuais” com risível conhecimento histórico e conceitual. O “duplipensar” orweliano, ou o bilinguis maledictus do adágio bíblico, têm em Falcão um grande ápice, tratando a imprensa e a população que descobre o plano petista como “judeus insolentes”, mas pechando-os justamente como nazistas.
Não surpreendente, portanto, logo após tal pastiche (usando a própria Câmara dos Deputados), que Falcão ataque justamente o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o principal homem responsável por manter o Estado de Direito acima do Estado de política no país (impedindo que um governante, tendo o poder de criar leis, aplicá-las ou julgá-las, apenas por isso utilize tal força acima da Lei Maior do país). Gurgel pede até que o ex-presidente Lula, o homem mais poderoso do país por basicamente uma década, seja investigado por sua possível participação no mensalão – o que, para alguém que só se preocupa em manter-se no poder por “política”, é algo inaceitável, e que, no menor de dois males, ao menos não deve ser informado à população, controlando-se e calando a imprensa.
Não à toa que o Brasil despenca no ranking de liberdade de imprensa no governo petista. De um 58.º que ocupava em 2010, já caímos modestas cinquenta posições em dois anos de governo Dilma, patinando agora num inglório 108.º lugar entre 179 nações (o que causaria uma Primavera Tropical se, afinal, essa própria informação conseguisse passar nos jornais que dependem tanto de verbas controladas pelo Executivo).
Continua a Folha:
Falcão citou ainda Judith Brito, superintendente da Folha e diretora da ANJ (Associação Nacional de Jornais).“Sejamos francos: quem é a oposição no Brasil? Há oposição dos partidos políticos, mas há oposição mais forte, mas que não mostra a cara, quando poderia fazê-lo. É o que chamo de oposição extrapartidária, que se materializa numa declaração que a imprensa veiculou de Judith Brito, que disse com todas as letras: ‘como a oposição não cumpre seu papel, nós temos que fazer’. E vem fazendo.”Sobre crítica semelhante, Brito disse em 2010: “o que a ANJ tem feito em suas manifestações, como sempre, é defender a liberdade de expressão, frente às seguidas tentativas do governo de criar regras para controlar os veículos de imprensa e os jornalistas”.“O jornalismo sério num país democrático precisa ser livre e pluralista. No entanto, há grupos dentro deste governo que querem ouvir apenas um tipo de notícia e opinião: as favoráveis ao próprio governo. Esse papel da imprensa é exercido igualmente em relação ao governo e à oposição, e isso pode ser constatado todos os dias”, completou.Para o presidente do PT, a proposta de regulamentação da mídia é “legítima” porque regulamentaria a Constituição. No governo Lula, a ideia ganhou contornos com um anteprojeto do ex-ministro Franklin Martins (Comunicação). Ontem, Franklin reuniu-se com a presidente Dilma Rousseff, mas não quis dizer sobre o que trataram.
Não surpreende que a “política” que Rui Falcão e Franklin Martins defendem, em oposição ao Direito, precise ser feita a portas fechadas e sem informações à população que querem controlar, tratada apenas como número de votos para que os membros d’O Partido permaneçam eternamente no poder.
*Blog O Implicante
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