A portuguesa Catarina de Albuquerque, relatora especial das Nações Unidas sobre o direito humano à água e ao saneamento, esteve em missão no Brasil durante dez dias e se disse "chocada" com as desigualdades regionais no tratamento de esgoto.
Não é preciso que um estrangeiro constate aquilo que todos nós já sabemos, mas as palavras de Catarina resumem bem a vergonha que esse estado de coisas deveria inspirar em nossas autoridades. Não se pode falar em fim da miséria e outros slogans eleitoreiros quando se depara com a situação que chocou a enviada da ONU.Catarina observou que houve melhorias nos últimos anos e também elogiou os investimentos no setor e o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). No entanto, Catarina destacou as profundas diferenças entre as regiões mais e menos desenvolvidas do País.
O tratamento de esgoto chega a 93,6% em Sorocaba (SP) e a 92,6% em Niterói (RJ),enquanto Macapá (AP) tem apenas 5,5% e Belém registra 7,7%.No geral, 52% dos brasileiros não têm coleta de esgoto, e apenas 38% do esgoto é tratado. Segundo Catarina, o Brasil está entre os dez países do mundo onde mais faltam banheiros.Com isso, cerca de 7 milhões de brasileiros defecam todos os dias ao ar livre.Na Região Norte, menos de 10% da população dispõe de coleta de esgoto.O problema é maior em áreas rurais e comunidades tradicionais isoladas, onde apenas 36% dos moradores têm acesso à água tratada e menos de 25% têm acesso à coleta de esgoto considerada adequada.
A relatora constatou ainda que 21% da população do Nordeste não consegue satisfazer adequadamente suas necessidades hídricas - ademais, diz Catarina, os projetos de irrigação para agricultura em larga escala no semiárido estão secando poços de água para consumo das famílias. No Norte, 100% da população enfrenta falta de água ao menos uma vez por mês. Mesmo em cidades desenvolvidas, como o Rio de Janeiro, há regiões com graves deficiências.
No Complexo do Alemão, segundo observou Catarina, a água chega apenas duas vezes por semana, e a população fica com pouca água por mais de um mês durante o verão. Com isso, os moradores são obrigados a armazenar água quase sempre em más condições de higiene.As diferenças são igualmente significativas quando o fator de comparação é a renda. Nos domicílios cujas famílias ganham até um quarto de salário mínimo, o abastecimento de água é 35% inferior ao necessário, enquanto nos domicílios onde a renda é superior a 5 salários mínimos o déficit é de menos de 5%.
Mesmo em cidades onde supostamente a água é tratada, a qualidade não é a recomendada. Segundo números apresentados por Catarina, 52 milhões de brasileiros recebem água desse tipo. Ela disse ter ouvido vários relatos de pessoas que, ao ingerirem a água "tratada", tiveram várias doenças. "No Brasil", constatou Catarina, "a esmagadora maioria das pessoas que têm meios para fazê-lo bebe água engarrafada."
Para ela, o Plansab deveria ter maior ênfase na redução dessas desigualdades. O grande desafio, segundo Catarina, é a incapacidade da maioria dos municípios mais pobres de apresentar projetos de saneamento para obter o financiamento federal.
Catarina criticou também a enorme quantidade de órgãos do governo envolvidos nos empreendimentos de saneamento. Ela contabilizou nada menos que 7 Ministérios e 14 programas federais nessa área, o que, em sua visão, gera falta de coordenação. Além disso, vários municípios não dispõem de regulação sobre saneamento, gerando conflitos legais e políticos.
As deficiências de saneamento resultam em prejuízos para o sistema de saúde pública e geram impacto direto na capacidade do País de gerar riqueza. , "O investimento no saneamento faz sentido não só em termos de direitos humanos mas igualmente de uma perspectiva econômica e de desenvolvimento",comentou Catarina. Ela enfatizou que, apesar da melhora, encontrou muitos brasileiros "para os quais o direito humano à água e ao esgoto tratados ainda constitui uma realidade distante". Para ela, tal situação "não condiz com os avanços do Brasil de hoje". Difícil de discordar.
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