Na mesa dos argentinos nunca faltou carne nem pão, duas das grandes
paixões do país. Mas a ida às padarias é cada vez menos frequente e o produto
está se tornando artigo de luxo, com o aumento de mais de 700% no preço do pão
nos últimos sete anos, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censo
(Indec).
O aumento mais brusco se deu em 2013, com a escassez de trigo. Em apenas
seis meses, o preço da farinha triplicou, fazendo o preço do pão subir 50% nas
padarias.
Para fazer frente à disparada de preços, o governo Cristina Kirchner
suspendeu a exportação de farinha argentina. A venda de trigo ao exterior já
havia sido limitada a partir de 2006.
O governo também decidiu aplicar a Lei de Abastecimento, usando o trigo dos
estoques do país. A medida fez aumentar a oferta de grãos, mas não o suficiente
para suprir a demanda das padarias argentinas.
A Casa Rosada então acusou os produtores de estarem estocando cerca de
dois milhões de toneladas de trigo da ultima colheita, em mais um episódio do
embate entre governo e o setor agrícola.
Em entrevista à BBC, representantes do setor disseram que a escassez é
fruto das políticas de intervenção do próprio governo. Segundo os produtores,
isso foi responsável pela minguada colheita do ano passado, a menor desde 1899.
Em queda
Entre 1996 e 2005, a média de produção de trigo na Argentina era de 15
milhões de toneladas por ano. O montante passou a cair em 2006, após a
imposição de limites à exportação de trigo.
Sem acesso pleno ao mercado externo, que historicamente absorvia cerca de
dois terços da produção de trigo do país, o preço do grão caiu no mercado
interno - que demanda de cinco a seis milhões de toneladas por ano.
Segundo o economista Jorge Elustondo, da Universidade de Buenos Aires
(UBA), com a política do governo os produtores tiverem de vender sua colheita
aos moinhos locais a um preço 40% menor se comparado ao mercado internacional.
Com menos lucros, muitos trocaram os campos de trigo por outros cereais
como a cevada, sem restrições de exportação. A produção anual caiu então de 15
milhões para nove milhões de toneladas no ano passado.
"O mesmo ocorreu com a carne. Na última década, foram perdidas dez
milhões de cabeças de gado. E a indústria de laticínios também está em crise",
diz Elustondo.
O controle criou uma situação insólita no país, deixando o trigo mais
caro do que a soja. Cada tonelada do grão custa US$ 520 por tonelada, o dobro
do preço no mercado internacional.
Inflação
Mas a queda na produção por si só não explica inteiramente a disparada
nos preços. Em 2006, o quilo do pão custava 2,5 pesos (US$ 0,80 no câmbio da
época). Hoje custa 18 pesos (US$ 3,4 ou R$ 7,55).
Segundo Néstor Calvo, editor da revista Conciência Rural, o trigo
representa menos de 10% do custo total da produção do pão. Aluguel, impostos,
eletricidade, transporte e outros insumos seriam responsáveis pelos 90%
restantes.
"O aumento se dá na cadeia de distribuição como consequência da
inflação", disse.
Apesar das estatísticas oficiais falarem em inflação de 10% ao ano, a
maioria das consultorias privadas e os governos regionais calculam a inflação
real em 24%.
O preço mais salgado do pão também se explica pelo fim em 2012 dos
subsídios aos moinhos do país, que acabaram repassando o custo à cadeia de produção.
Saída
Políticas de intervenção do governo estão tendo efeitos contrarios,
dizem analistas.
Guillermo Irastorza, produtor de trigo de Tres Arroyos, na província de
Buenos Aires, contou à BBC que diminuiu sua área de produção de trigo em 40%
após as políticas do governo.
Irastorza, como outros produtores, defendem a importação de farinha para
aumentar a concorrência no mercado interno e derrubar o preço do pão. Mas o
governo se recusa a adotar a medida, que equivaleria à admissão de que sua
política para o setor fracassou.
Com um consumo mensal de 400 mil toneladas de trigo por mês, alguns
especialistas argentinos já acreditam que não haverá suficiente para fechar o
ano.
Navarro diz ainda que a proliferação de um fungo nos campos de trigo
trará mais impacto aos estoques.
O governo, por sua vez, afirma que contornará a situação com o uso de
estoques nacional.
O grande teste se dará em novembro, quando começa a nova safra. Embora a
superfície plantada seja igual a do ano passado, há quem acredite que o ciclo
de escassez chegou para ficar. ( bbc.co.uk )
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