sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

“A era do oportunismo”


A seguir, leiam trechos do artigo de José Serra no Estadão de hoje, intitulado “A era do oportunismo”
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As últimas semanas trazem acontecimentos reveladores de um aspecto peculiar da “luta política” no Brasil, como a entendem o PT e o governo que ele lidera. Poderia ser resumido em dois conceitos: o relativismo como ideologia e a tática de recolher dividendos políticos sem se envolver diretamente, tirando, como se diz, a castanha do fogo com a mão do gato.
A moral da fábula do macaco esperto, que, faminto, mandava o bichano recolher as castanhas das brasas, esteve visível nos sucessivos movimentos na USP. A chamada extrema esquerda desencadeou ações violentas, e o petismo saiu a criticar a “falta de diálogo” e a “falta de democracia”, que supostamente estariam na raiz dos distúrbios.
De olho no voto moderado, o PT não quer para si os ônus do radicalismo ultraminoritário, mas pretende sempre recolher os bônus de apresentar-se como a solução ideal para evitar essa modalidade de movimento político. Como se, em algum lugar do mundo ou momento da história, o extremismo, de direita ou de esquerda, tivesse sido contido apenas com diálogo e negociação. É um discurso conveniente, pois se apresenta como alternativa “racional” de poder. Uma vez lá, os tais movimentos serão cooptados na base da fisiologia e, se necessário, da repressão. Os críticos exigirão “coerência”, e o partido fará ouvidos moucos.
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Se o adversário cumpre a lei, é acusado [pelo PT] de “criminalizar os movimentos sociais”; quando um deles cumpre a mesma lei, então são eles a criminalizar. Assim, os PMs em greve na Bahia governada pelo PT são chamados de “bandidos”. Cadê o exercício do entendimento, a tolerância? Em São Paulo, em 2008, o PT ajudou na organização de uma marcha de policiais civis grevistas em direção ao Palácio dos Bandeirantes - marcha que, felizmente, não atingiu os objetivos sangrentos almejados.
Em estados governados pelo petismo e aliados, são rotineiras as reintegrações de posse, mas, quando precisa acontecer em São Paulo, por exemplo, a mando da Justiça e sempre sob a sua supervisão, o PT - e eis de novo a história das castanhas - cavalga o extremismo alheio para denunciar inexistentes violações sistemáticas dos direitos humanos. Nunca ofereceu uma possível solução ao problema social específico, mas apresenta-se incontinenti quando sente a possibilidade de sangue humano ser vertido e transformado em ativo político.
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Essa amoralidade essencial estende-se às políticas públicas. Em 2007, quando governador de São Paulo, aflito com o congestionamento aeroportuário, propus ao presidente Lula e sua equipe a concessão à iniciativa privada de Viracopos, cujo potencial de expansão é imenso. Nada aconteceu. Na campanha eleitoral de 2010, a proposta de concessões foi satanizada. Pois o novo governo petista adotou-a em seguida! Perdemos cinco anos! E adotou-a privatizando também o capital estatal: o governo torna-se sócio minoritário (49% das ações) e oferece crédito subsidiado (pelos contribuintes, é lógico) do BNDES. Tudo o que era pra lá de execrado passou a ser “pragmatismo”, “privatização de esquerda”.
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A oposição, a despeito de notáveis destaques individuais, confunde-se no jogo, dado o seu modesto tamanho, mas também porque alguns são sensíveis aos eventuais salamaleques e piscadelas dos donos do poder. Um adesismo travestido de “sabedoria”.
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Não sou o único que pensa assim, mas sou um deles: política também se faz com princípios, programa e coerência. E disso não se pode abrir mão, no poder ou fora dele. ( Texto por Reinaldo Azevedo )

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